Nasci no Amazonas em março de 1955.
Cresci com toda liberdade. Minha infância foi moleca, brincalhona e cheia de boas-más companhias e más-boas companhias.
Vi minha mãe sofrer seis anos uma paixão extraconjugal de meu pai.
Vi
meu pai sofrer a vergonha de perder tudo no golpe militar e também ter
que sair do Amazonas para poder andar
na rua sem constrangimento.
Senti angustias!
Senti
mais angustia ainda quando vi o mar pela primeira vez, aos 10 anos. Eu
gostava do rio, de ver
o outro lado, de sentir seu cheiro doce, de saber
o que dele poderia esperar!
Detestei o humor carioca dos meninos e
meninas. Todos me pareciam retardados, com seus joguinhos infantis,
suas
batalhas navais, seus brinquedinhos de montar.
Respirei em Niterói na casa do Reverendo Antônio Elias e Dona Maria José!
Amei meus primeiros amigos.
Fiquei feliz com a conversão de meu pai.
Depois comecei a achar estranha uma conversão que tornasse alguém tão radicalmente fanático!
Passei a odiar a conversão de meu pai!
Fiquei com vergonha dele na rua, entre os meus amigos.
Odiei-o quando me disse que voltaríamos para o Amazonas porque Deus o chamara para voltar.
Me distanciei o máximo que pude dele e da família quando o regresso aconteceu: dele por raiva; da família por pena!
Dei cada vez mais vazão a uma energia estranha que irrompia de dentro de meu corpo.
Vi aquela energia virar muitas coisas, tomar muitas faces, sem jamais se satisfazer!
Abandonei todos os elementos lúdicos e mergulhei no pragmatismo dos prazeres, como se tivesse
apenas uns poucos anos para viver.
Vivi
mais que os velhos conseguiam. E aos 16 anos eu via a perplexidade dos
idosos com tudo o que eu
já experimentara mais do que eles.
Meus amigos eram agora no mínimo cinco anos mais velhos do que eu.
Cansei de namorar. Não gostava de meninas, só de mulheres. Não gostava de paquera, apenas tomava
posse de que queria.
Cansei das mulheres!
Cansei dos amigos!
Cansei dos prazeres!
Cansei de mim mesmo!
Cansei do cansaço!
Cansado, me entreguei!
Cristo me renovou!
Uma imensa paixão me invadiu.
Entendi meu pai, perdi a pena de minha família, abracei-os e me senti um deles!
Troquei os bandos pelos grupos. Os cúmplices pelas amizade de papai. Sua amizade valia a vida!
Descobri
que minha boca fora feita para falar, não para dar cantadas; para
pregar, não para seduzir;
para proclamar o Evangelho, não para ferir com
língua!
Comecei a entender mais que sabia que poderia um dia entender!
A Bíblia virou Palavra e a Palavra virou Vida e a Vida era com, em e por Jesus!
Preguei. Fui ouvido. Senti-me responsável pelo dom. Entreguei-me a Deus e ao dom!
Mudei de culpa. Antes me sentia culpado pelo que fazia. Agora era pelo que deixava de fazer.
Me desesperei: o que eu fizera de errado era muito menor do que tudo o que eu agora deixava de fazer de bom!
Fiz-me escravo de todos!
Decidi que ninguém desprezaria a minha mocidade!
Fiquei velho aos 21 anos!
Sempre
fui famoso: nas ruas onde morei, nos bairros, nas praias, nas praças,
nas cidades.
Agora, não era mais famoso pelas loucuras, mas pela Graça
que saía de minha boca quando a
Palavra era pregada!
Fama, demanda, culpa!
Culpa de não atender a demanda!
Anulação pessoal total.
Eu não tinha direitos. Meu privilégio era servir!
Casamento, filhos, família—tudo à serviço de minha culpa de ser quem era e de ser demandado como era!
Voltava
para casa culpado de tantos casos de amor, de entrega e de vida. E não
eram mulheres. Eram seres
humanos: homens, mulheres, jovens, velhos e
crianças. Me sentia um polígamo. Um pai-lígamo. Um infiel pela
quantidade de energia que dava aos outros!
Televisão, radio,
revistas, jornais, cartas e viagens e viagens—era a forma que eu tinha
de me redimir de ter um
dom que todos queriam!
Subi numa Roda Gigante. Rodei. Rodei. Rodei.
Rodei 27 anos!
Os filhos cresceram. Amei-os e fui amado por eles.
Amei meus pais à distância.
Fiquei amigo de papai também à distância!
Mergulhei
em tudo o que era lícito. Descobri que era um mundo mais feio que o
ilícito. Entrei por todas
as portas da grandeza e atrás delas encontrei o
seres mais diminutos e deformados que jamais havia conhecido,
e nem
sabia que existiam.
Vi a admiração e o carinho de todos por mim ir virando reverência, respeito, temor e, por alguns, até medo!
Estava grande, gordo e cheio de importância!
Agora
não eram só os carentes e aflitos que me queriam. Os ricos, os
poderosos, os afamados, os
orgulhosos, os fartos, os vaidosos, os
sábios, os cultos, os criminosos, os governantes, os oprimidos, os
que
noticiavam, os que eram notícia—todos me queriam!
E mais: fedia...cheirava mal, me dava nausea!
Não havia ar. Não ar-via, pois, não há-via...
Os sonhos da juventude haviam todos se tornado realidade. Os sonhos haviam virado instituições e empresas.
Realidades?
Comecei
a pedir a Deus para morrer. De fato, sempre achei que morreria jovem.
Só que aos 40 anos
eu já estava muito velho, cansado, idoso e triste!
Então as erupções voltaram!
Vulcão era o seu nome!
Lavas reprimidas, magmas contidos, erupções para dentro que agora desejavam sair de mim!
De mim?
Por que eu?
Por que em mim?
Por que não outro?
Por que sobre as cabeças de tão grande população?
Medo!
Angustia!
Tremores!
Pânico!
Ruídos noturnos e seus magmas!
O estômago da alma roncava com fome, muita fome, fome de muitas vidas vividas por outros!
O Dia da Erupção!
O Dia do Apocalipse!
O Dia do Juízo Final!
O céu se abriu!
A terra se dissolveu!
O mundo acabou!
Gemidos, gritos, sustos, estampidos e lavas, muitas lavas!
Abracei
meus filhos. Eles eram filhos do vulcão. Abracei quem pude. Eles eram
vítimas do vulcão.
Abracei a mim mesmo. Eu era o vulcão!
Desespero para tapar a boca do vulcão. Angustia de diminuir suas conseqüências sobre a população.
E mais lavas...
Elas
pareciam não ter fim. Peguei os filhos e fui para outra terra. Mas até
lá a terra tremia.
Um a um eles me disseram que estavam voltando para
casa, preferiam viver entre os escombros do que
numa terra distante.
Segui-os!
Afinal, mesmo quando me dava a todos, era a eles que eu de fato amava!
À volta... só escombros!
Amigos pedrados!
Inimigos congelados!
E o povo correndo de medo!
Papai
e mamãe estavam lá. Imutáveis. Presentes como a própria presença pode
ser.
Silenciosamente audíveis em seu amor sem fanfarra!
Des-encanto com tudo, com todos!
Des-encanto comigo mesmo!
Vontade intensa de morrer!
Alguns poucos amigos: dois, três, quatro...
Alguns irmãos: dez, vinte, cem, duzentos, milhares...à distância, sem saber como chegar e nem o que falar!
Muitos juizes, milhares, togados, raivosos, felizes com a oportunidade!
Sonhos, muitos sonhos!
Noites cheias!
Pesadelos!
Visitas angelicais e também demoníacas no meu inconsciente!
Fome!
Sede!
Busca!
Encontro!
Verdade!
Angustia!
Libertação!
Re-apropriação!
Certeza!
Graça!
Vida!
As vozes da Graça nunca cessaram. Mesmo no meio da erupção!
Ele estava no desastre!
O vulcão era dele, não era meu, era apenas eu!
Ventos frios!
Dias nublados!
Noites infindáveis!
Perdas e dores irreparáveis!
Então um ramalhete de esperanças chamava-me de “vô”!
Aos poucos o silêncio foi prevalecendo sobre os gritos de aflição.
Haveria sobreviventes?
“Todos sobreviveram!”
Ninguém se perdeu?
“Não, papai! Estamos todos aqui?”
Comecei a reencontrar amigos. Seus nomes Deus conhece!
Me disseram que eu não podia calar. Que a Voz em mim tinha que falar!
Eu não queria!
Medo de ser ouvido. Medo de ser chamado para dentro do vulcão. Medo de me sentir responsável pelo mundo inteiro!
Depois veio outra certeza: eu estava liberto de qualquer culpa. Não devia mais nada a ninguém, nem a mim mesmo!
Estava consumado não em relação a Deus, mas também em relação ao mundo e a mim mesmo!
Eu estava livre!
Poderia servir com liberdade!
Meu Deus! que alívio!
O prazer voltou!
A alegria de ser e me dar também começaram a brotar. De vez em quando uma recaída: por que eu, Senhor?
Nunca saberei. Sou eu!
Por que foi assim, Senhor?
Não sei! Só sei que foi assim!
Bem, a viagem não terminou. De fato, ela só está começando!
Nisto tudo uma única certeza:
Sou filho do Caminho!
E nesse Caminho, tive que fazer meu próprio caminho, pois, assim é o caminho no Caminho!
Em meio à jornada,
Caio Fábio
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