quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Síntese Histórica da Igreja Presbiteriana do Brasil













Alderi Souza de Matos

Para sua melhor compreensão, a história da IPB tem sido dividida em períodos claramente delimitados. A seguir são apresentados os principais dados de cada um desses períodos.

1. Implantação (1859-1869)
O missionário fundador da IPB, Ashbel Green Simonton (1833-1867), da Igreja Presbiteriana do Norte dos EUA (PCUSA), chegou ao Brasil em 1859. Nos anos seguintes, ele criou a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (1862), o jornal Imprensa Evangélica (1864), o Presbitério do Rio de Janeiro (1865) e o “Seminário Primitivo” (1867). Outras igrejas fundadas nesse período foram as de São Paulo, Brotas, Lorena, Borda da Mata e Sorocaba. Chegaram novos obreiros, como Alexander Blackford, Francis Schneider e George Chamberlain, e foi ordenado o primeiro pastor nacional, José Manoel da Conceição (1822-1873).

2. Consolidação (1869-1888)

Em 1869, chegaram os primeiros missionários da Igreja do Sul dos EUA (PCUS), George N. Morton e Edward Lane, que se estabeleceram em Campinas. Os missionários da PCUS evangelizaram a região da Mogiana, o oeste de Minas, o Triângulo Mineiro e o sul de Goiás. Também atuaram no Nordeste e no Norte, de Alagoas até a Amazônia. Os principais foram John R. Smith, John Boyle, DeLacey Wardlaw e George W. Butler. Por sua vez, os missionários da Igreja do Norte atuaram na Bahia e Sergipe e no sudeste-sul (do Rio de Janeiro a Santa Catarina). Em 1870, o Rev. Chamberlain fundou a Escola Americana de São Paulo, precursora do Mackenzie College, e em 1873 Morton e Lane criaram o Colégio Internacional, em Campinas. Entre os pastores nacionais desse período estiveram Modesto Carvalhosa, Antônio Trajano, Miguel Torres, Antônio Pedro de Cerqueira Leite, Eduardo Carlos Pereira, Zacarias de Miranda e Belmiro César. As igrejas-mães também enviaram educadoras como Mary Dascomb, Elmira Kuhl e Charlotte Kemper.
3. Dissensão (1888-1903)

Em setembro de 1888 foi organizado o Sínodo, composto de três presbitérios, 20 missionários, 12 pastores e 60 igrejas. A IPB tornou-se autônoma, desligando-se das igrejas norte-americanas. O Seminário começou a funcionar em Nova Friburgo e depois se transferiu para São Paulo. O Mackenzie College foi criado em 1891, sendo seu primeiro presidente o Dr. Horace Manley Lane. Por causa da febre amarela, o Colégio Internacional foi transferido de Campinas para Lavras, e mais tarde veio a chamar-se Instituto Gammon. A cidade de Garanhuns começou a tornar-se um grande centro da obra presbiteriana no Nordeste. Foram lançadas as bases de duas importantes instituições: o Colégio Quinze de Novembro e o Seminário do Norte. No final desse período a Igreja Presbiteriana chegou ao Pará, ao Amazonas e a Santa Catarina. A igreja também iniciou a ocupação do leste de Minas. Em 1903, o Rev. Eduardo Carlos Pereira e seus companheiros fundaram a Igreja Presbiteriana Independente.

4. Reconstituição (1903-1917)

Em 1906 o Sínodo contava com 77 igrejas e cerca de 6500 membros. Em fevereiro de 1907, o Seminário foi transferido para Campinas, ocupando a antiga propriedade do Colégio Internacional. No mesmo ano, o Sínodo dividiu-se em dois (Norte e Sul) e em 1910 foi organizada a Assembléia Geral, tendo como primeiro moderador o Rev. Álvaro Reis. Nessa época, a IPB já estava com 10 mil membros comungantes e cerca de 150 igrejas, em sete presbitérios. Em 1911, a igreja enviou a Portugal o seu primeiro missionário, Rev. João Marques da Mota Sobrinho. A Missão Sul da PCUS passou a atuar em duas frentes: Missão Leste (Lavras) e Missão Oeste (Campinas). O Rev. William Waddell fundou uma influente escola em Ponte Nova, na Bahia. Teve início a obra presbiteriana no Mato Grosso: os pioneiros foram Franklin Graham (1913) e Filipe Landes (1915). Em 1917, foi aprovado o Modus Operandi, um acordo entre a igreja brasileira e as missões norte-americanas pelo qual os missionários desligaram-se dos concílios da IPB, separando-se os campos nacionais (presbitérios) dos campos das missões.

5. Cooperação (1917-1932)
O maior líder desse período foi o Rev. Erasmo Braga (1877-1932). Em 1916, ele participou com dois colegas do Congresso da Obra Cristã na América Latina, no Panamá. Poucos anos depois, tornou-se o secretário da Comissão Brasileira de Cooperação, entidade que liderou um grande esforço cooperativo entre as igrejas evangélicas do Brasil. Foi fundado no Rio de Janeiro o Seminário Unido. Outros esforços cooperativos do período foram o Instituto José Manoel da Conceição, fundado pelo Rev. William Waddell em Jandira, perto de São Paulo (1928), e a Associação de Catequese dos Índios (1928), depois Missão Evangélica Caiuá, em Dourados (MS).

Em 1921, o Seminário do Norte foi transferido para Recife. Os principais periódicos presbiterianos eram O Puritano e o Norte Evangélico. Em 1921 morreu o Rev. Antônio Bandeira Trajano. Com ele desapareceu a primeira geração de obreiros presbiterianos no Brasil. Vários pastores deram valiosa contribuição de ordem intelectual e literária: Antônio Trajano (Álgebra Elementar), Eduardo Carlos Pereira (Gramática Expositiva), Otoniel Mota (O Meu Idioma) e Erasmo Braga (Série Braga).

6. Organização (1932-1959)

Nas décadas de 1930 a 1950, a IPB aperfeiçoou a sua estrutura, criando entidades voltadas para o trabalho feminino, a mocidade, missões nacionais e estrangeiras, literatura e ação social. Em 1940 foi organizada a Junta Mista de Missões Nacionais, com representantes da igreja e das missões norte-americanas. Em 1944 surgiu a Junta de Missões Estrangeiras e em 1950 foi criada a Missão Presbiteriana da Amazônia. Também houve a criação da Casa Editora Presbiteriana (1945). Neste período, a IPB participou de vários outros movimentos cooperativos: Associação Evangélica Beneficente, Confederação Evangélica do Brasil, Sociedade Bíblica do Brasil, Centro Áudio-Visual Evangélico. Em 1957 a IPB contava com seis sínodos, 41 presbitérios, 489 igrejas, 369 ministros, 89.741 membros comungantes e 71.650 não-comungantes.

O período terminou com a comemoração do centenário do presbiterianismo no Brasil. A Campanha do Centenário foi lançada em 1946. Realizou-se uma grande campanha evangelística em 1952. Outras medidas foram a criação do Museu Presbiteriano, do Seminário do Centenário e do jornal Brasil Presbiteriano (1958), resultante da fusão de O Puritano e Norte Evangélico. O lema do centenário foi: “Um ano de gratidão por um século de bênçãos”.
7. Polarização (1959-1986)

Nesse período, a igreja sofreu o forte impacto dos acontecimentos políticos ocorridos no Brasil, que resultaram no regime militar (1964-1984). Intensificou-se a polarização entre conservadores e progressistas que já vinha se manifestando há alguns anos. Os conservadores, defensores da teologia reformada tradicional, foram vitoriosos nesse confronto quando o Rev. Boanerges Ribeiro foi eleito presidente do Supremo Concílio, e reeleito duas vezes, a única vez em que isso ocorreu na história da IPB (1966-1978).

Boanerges foi sucedido por Paulo Breda Filho (1978-1986), o único presbítero a ocupar o cargo maior da igreja. Ao lado de grandes tensões, também houve desdobramentos construtivos como a transferência da Universidade Mackenzie para a IPB, a ampliação do trabalho de missões nacionais e estrangeiras, o aumento significativo do número de igrejas e concílios, e o crescimento numérico da denominação, que se aproximou da marca de meio milhão de membros comungantes e não-comungantes.

8. Período atual

Nas últimas décadas a IPB continuou a crescer e a diversificar as suas atividades. O ambiente político e teológico tornou-se mais conciliador, num ambiente de crescente pluralismo, mas ainda persistem tensões latentes. A igreja sofre o impacto dos novos movimentos que tem afetado o protestantismo brasileiro, especialmente nas áreas litúrgica e doutrinária. O neopentecostalismo tem exercido fascínio sobre muitos pastores e comunidades. No aspecto positivo, destacam-se a maior preocupação com a educação teológica, a criação de vínculos com igrejas reformadas ao redor do mundo, o investimento em missões transculturais, o notável crescimento na área de publicações e a utilização dos meios de comunicação de massa, como a televisão e a Internet.

O que é a Igreja Presbiteriana do Brasil?

O que é a Igreja Presbiteriana do Brasil?






Quanto à sua teologia, as igrejas presbiterianas são herdeiras do pensamento do reformador João Calvino (1509-1564) e das notáveis formulações confessionais (confissões de fé e catecismos) elaboradas pelos reformados nos séculos 16 e 17. Dentre estas se destacam os documentos elaborados pela Assembléia de Westminster, reunida em Londres na década de 1640. A Confissão de Fé de Westminster, bem como os seusCatecismos Maior e Breve, são adotados oficialmente pela IPB como os seus símbolos de fé ou padrões doutrinários. Outras igrejas presbiterianas adotam documentos adicionais, como a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg. O conjunto de convicções presbiterianas, conforme expostas no pensamento de Calvino, de outros teólogos e dos citados documentos confessionais, é denominado teologia calvinista ou teologia reformada. Entre as suas ênfases estão a soberania de Deus, a eleição divina, a centralidade da Palavra e dos sacramentos, o conceito do pacto, a validade permanente da lei moral e a associação entre a piedade e o cultivo intelectual.

No seu culto, as igrejas presbiterianas procuram obedecer ao chamado princípio regulador. Isso significa que o culto deve ater-se às normas contidas na Escritura, não sendo aceitas as práticas proibidas ou não sancionadas explicitamente pela mesma. O culto presbiteriano caracteriza-se por sua ênfase teocêntrica (a centralidade do Deus triúno), simplicidade, reverência, hinódia com conteúdo bíblico e pregação expositiva. Na prática, nem todas as igrejas locais da IPB seguem criteriosamente essas normas bíblicas, embora elas tenham caracterizado historicamente o culto reformado. Os problemas causados pelo afastamento desses padrões têm levado muitas igrejas a reconsiderarem as suas práticas litúrgicas e resgatarem a sua herança nessa área fundamental. Quando se diz que o culto reformado é solene e respeitoso, não se implica com isso que deva ser rígido e sem vida. O verdadeiro culto a Deus é também fervoroso e alegre.

Finalmente, a vida das igrejas presbiterianas brasileiras não se restringe ao culto, por importante que seja. Essas igrejas também valorizam a educação cristã dos seus adeptos através da Escola Dominical e outros meios; congregam os seus membros em diferentes agremiações internas para comunhão e trabalho; têm a consciência de possuir uma missão dada por Deus, a ser cumprida através da evangelização e do testemunho cristão. Muitas igrejas locais se dedicam a outras atividades em favor da comunidade mais ampla, como a manutenção de escolas, creches, orfanatos, ambulatórios e outras iniciativas de promoção humana. Cada igreja possui um grupo de oficiais, os diáconos, cuja função primordial é o exercício da misericórdia cristã. O presbiterianismo tem uma visão abrangente da vida, entendendo que o evangelho de Cristo tem implicações para todas as áreas da sociedade e da cultura.


De Onde Viemos?
 
O presbiterianismo ou movimento reformado nasceu da Reforma Protestante do século 16. Pouco depois que protestantismo começou na Alemanha, sob a liderança de Martinho Lutero, surgiu uma segunda manifestação do mesmo no Cantão de Zurique, na Suíça, sob a direção de outro ex-sacerdote, Ulrico Zuínglio (1484-1531). Para distinguir-se da reforma alemã, esse novo movimento ficou conhecido como Segunda Reforma ou Reforma Suíça. O entendimento de que a reforma suíça foi mais profunda em sua ruptura com a igreja medieval e em seu retorno às Escrituras fez com que recebesse o nome de movimento reformado e seus simpatizantes ficassem conhecidos simplesmente como “reformados”.

Ao morrer, em 1531, Zuínglio teve um hábil sucessor na pessoa de João Henrique Bullinger (1504-1575). Todavia, poucos anos mais tarde surgiu um líder que se destacou de todos os outros por sua inteligência, dotes literários, capacidade de organização e profundidade teológica. Esse líder foi o francês João Calvino (1509-1564), que concentrou os seus esforços na cidade suíça de Genebra, onde residiu durante 25 anos. Através da sua obra magna, a Instituição da Religião Cristã ou Institutas, comentários bíblicos, tratados e outros escritos, Calvino traçou os contornos básicos do presbiterianismo, tanto em termos teológicos quanto organizacionais, à luz das Escrituras Sagradas.

Graças aos seus escritos, viagens, correspondência e liderança eficaz, Calvino exerceu enorme influência em toda a Europa e contribuiu para a difusão do movimento reformado em muitas de suas regiões. Dentro de poucos anos, a fé reformada fincou sólidas raízes no sul da Alemanha (Estrasburgo, Heidelberg), na França, nos Países Baixos (as futuras Holanda e Bélgica) e no leste europeu, onde surgiram comunidades reformadas em países como Polônia, Lituânia, Checoslováquia e especialmente a Hungria. Em algumas dessas nações, a reação violenta da Contra-Reforma limitou ou sufocou o novo movimento, como foram, respectivamente, os casos da França e da Polônia. As igrejas calvinistas nacionais da Europa continental ficaram conhecidas como “igrejas reformadas” (por exemplo, Igreja Reformada da França).

Outra região da Europa em que a fé reformada teve ampla aceitação foram as Ilhas Britânicas, particularmente a Escócia, cujo Parlamento adotou o presbiterianismo como religião oficial em 1560. Para tanto foi decisiva a atuação do reformador João Knox (1514-1572), que foi discípulo de Calvino em Genebra. Foi nessa região que surgiu a designação “igreja presbiteriana”. Na Inglaterra e na Escócia dos séculos 16 e 17, o presbiterianismo representou uma posição ao mesmo tempo teológica e política. Com esse termo, as igrejas reformadas declaravam que não queriam uma igreja governada por bispos nomeados pelo estado (episcopalismo), e sim por presbíteros eleitos pelas comunidades. Foi na Inglaterra que, em meio a uma guerra civil, o Parlamento convocou a Assembléia de Westminster (1643-1649), que elaborou os documentos confessionais mais amplamente aceitos pelos presbiterianos ao redor do mundo.

Nos séculos 17 e 18, milhares de calvinistas emigraram para as colônias inglesas da América do Norte. Muitos deles abraçavam a teologia de Calvino, mas não a forma de governo eclesiástico presbiterial proposta por ele. Foi esse o caso dos puritanos ingleses que se estabeleceram na Nova Inglaterra. Ao mesmo tempo, as colônias norte-americanas também receberam muitas famílias presbiterianas emigradas da Escócia e do norte da Irlanda. Foram essas pessoas que eventualmente criaram a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, cujo primeiro concílio, o Presbitério de Filadélfia, foi organizado em 1706 sob a liderança do Rev. Francis Makemie, considerado o “pai do presbiterianismo norte-americano”. O primeiro Sínodo foi organizado em 1717 e a Assembléia Geral em 1789. Em 1859, a Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos enviou ao Rio de Janeiro o Rev. Ashbel Green Simonton, fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil.

A Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas que têm em comum uma história, uma forma de governo, uma teologia, bem como um padrão de culto e de vida comunitária. Historicamente, a IPB pertence à família das igrejas reformadas ao redor do mundo, tendo surgido no Brasil em 1859, como fruto do trabalho missionário da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. Suas origens mais remotas encontram-se nas reformas protestantes suíça e escocesa, no século 16, lideradas por personagens como Ulrico Zuínglio, João Calvino e João Knox. O nome “igreja presbiteriana” vem da maneira como a igreja é administrada, ou seja, através de “presbíteros” eleitos democraticamente pelas comunidades locais. Essas comunidades são governadas por um “conselho” de presbíteros e estes oficiais também integram os concílios superiores da igreja, que são os presbitérios, os sínodos e o Supremo Concílio. Os presbíteros são de dois tipos: regentes (que governam) e docentes (que ensinam); estes últimos são os pastores. Em 2005, a Igreja Presbiteriana do Brasil tinha aproximadamente 4.800 igrejas locais e congregações, 263 presbitérios, 64 sínodos, 3.800 pastores, 415.500 membros comungantes e 125.000 membros não-comungantes (menores), estando presente em todos os estados da federação.

Credo Ut Intelligam: a teologia cristã e seus parâmetros

Credo Ut Intelligam: a teologia cristã e seus parâmetros





Quem considera a história da teologia não pode deixar de impressionar-se. Além de extremamente longa, essa história é complexa e multifacetada, espelhando uma imensa diversidade de épocas, tradições, culturas, interesses e individualidades. Por mais que se deteste essa preocupação, a teologia é uma atividade não só inevitável como também imprescindível para os cristãos. Inevitável porque é próprio do ser humano refletir, questionar, interpretar, firmar posicionamentos. Imprescindível porque resulta da própria natureza da revelação. A fé cristã é algo cujo significado e implicações precisa ser considerado e reapropriado em cada nova geração.

Outra constatação importante é que todo cristão é um teólogo, mesmo sem o saber. A diferença é que alguns refletem sobre a fé de modo simplista, casual e aleatório, ao passo que outros, graças aos seus dotes intelectuais, preparo acadêmico e perspicácia, podem fazê-lo de modo mais rico, profundo e criativo. Como toda e qualquer atividade humana, a teologia padece de certas vicissitudes. Existe boa e má teologia. Por exemplo, houve épocas da história do cristianismo em que se buscou uma justificação teológica para a perseguição de dissidentes, a discriminação racial ou ações opressivas por parte do Estado.

Nos tempos pós-modernos atuais, a teologia tem atingido um alto grau de sofisticação intelectual e filosófica. Ao mesmo tempo, tem se tornado uma atividade fortemente individualista em que os teólogos parecem competir para ver quem será o mais radical, inovador e iconoclasta. Isso tem levado ao esfacelamento da teologia contemporânea, a ponto de, muitas vezes, tornar-se irreconhecível como teologia especificamente cristã. Para que seja considerada cristã, a teologia precisa manter-se dentro de certos parâmetros, ter em mente certos referenciais. Não se trata de impor uma camisa de força à tarefa teológica, mas de reconhecer que existem compromissos a manter.

1. O Deus trino
A centralidade de Deus na teologia parece óbvia, mas isso nem sempre ocorre. Ainda que etimologicamente a palavra “teologia” signifique um estudo ou discurso sobre Deus, existem muitas teologias nas quais o principal ponto de referência não é Deus, e sim outros interesses. Alguns autores têm se referido aos fundamentalistas como os “defensores de Deus”. Na realidade, Deus não necessita de defensores, mas qualquer teologia que pretenda ser cristã precisa ter um conceito elevado e correto de Deus, precisa compreender que o seu compromisso primordial é com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Caso contrário, como falar em teologia?

Nos últimos séculos tem surgido teologias que questionam a personalidade de Deus, sua transcendência ou imanência, sua onipotência, sua cognoscibilidade e até mesmo sua relevância ou necessidade (“teologia da morte de Deus”). Não se trata de reduzir toda a teologia a uma reflexão sobre Deus e nada mais, mas de reconhecer que toda reflexão teológica genuína deve começar com Deus como o fundamento último de toda a realidade e da fé cristã. Isso se faz necessário diante de correntes teológicas atuais, tanto à esquerda quanto à direita, cuja abordagem é inteiramente antropocêntrica, começando com as necessidades e desejos humanos para então elaborar um entendimento de Deus como aquele cuja função principal é satisfazer tais aspirações.

2. A revelação bíblica
O reformador João Calvino opinou que a teologia, para ser legítima, deve ater-se aos limites da revelação. Isso significa que ela não deve dizer mais – e nem menos – do que Deus revelou em sua Palavra. Ela é uma reflexão reverente sobre a revelação e não deve perder-se em especulações. Obviamente esse conceito se torna risível na perspectiva de muitas teologias dos últimos séculos, para as quais a revelação bíblica é apenas uma, e não necessariamente a mais importante, das fontes da teologia. A razão desse desprezo é que o próprio conceito de revelação especial tem sido questionado. Com isso a teologia se torna um esforço filosófico e especulativo que tem pouco contato com as genuínas raízes da fé e da espiritualidade cristã.

Um bom exemplo dessa ênfase foi a teologia deísta do século 18. Por causa do seu interesse exclusivo na religião natural ou racional, os deístas negavam grande parte do arcabouço doutrinário da fé cristã histórica. O cristianismo foi reduzido a um sistema de moralidade no qual não havia lugar para o culto, o testemunho e a vida comunitária. Valorizar a revelação não significa cair no biblicismo daqueles que diziam “a Bíblia, toda a Bíblia e nada senão a Bíblia é a religião dos protestantes”. Significa reconhecer que Deus fala aos seres humanos nas Escrituras como em nenhum outro lugar. Mesmo que se afirme que a revelação suprema de Deus é Jesus Cristo, a importância da Escritura permanece, porque somente por meio dela, e do testemunho do Espírito Santo a ela associado, Cristo pode ser conhecido.

3. A comunidade de féUma das funções da teologia é servir a igreja, não no sentido de ser instrumento dessa ou daquela ideologia, mas com o propósito de animá-la em sua caminhada, despertá-la para dimensões esquecidas da revelação, adverti-la para que seja mais fiel ao evangelho de Cristo. Assim sendo, a teologia deve ser produzida no contexto da koinonia, da vivência comunitária cristã. O verdadeiro teólogo não é aquele se coloca do lado de fora e procura impor os seus conceitos pessoais e subjetivos, mas alguém que faz parte do povo de Deus, caminhando com ele, partilhando de suas lutas e esperanças.

Outro aspecto dessa dimensão coletiva reside no fato de que fazer teologia é também interagir com a igreja do passado, com o rico legado de séculos de reflexão bíblica e teológica. É lamentável quando os teólogos dialogam prioritariamente com pensadores e correntes intelectuais não-cristãos, e até mesmo anticristãos, buscando neles referenciais teóricos e inspiração para as suas reflexões, mas demonstrando limitado interesse pela revelação cristã e pela comunidade de fé. Embora os interesses da teologia não tenham de circunscrever-se exclusivamente ao âmbito da igreja, esse elemento nunca pode ser omitido.

4. O mundo ao redor
Finalmente, assim como acontece com Jesus Cristo e com o evangelho, a teologia deve ser encarnada e contextual, ou seja, comprometida com Deus, com a revelação e com o corpo de Cristo, mas também relevante para a comunidade humana mais ampla. Embora a condição humana seja essencialmente a mesma em todas as épocas, cada geração se defronta com desafios inéditos para a fé cristã. O que a teologia tem a dizer ao indivíduo moderno com suas angústias, perplexidades e dúvidas? O que dizer diante das afirmações cada vez mais ousadas da ciência? Diante das realidades do terrorismo, guerra e criminalidade, das desigualdades e opressões, da crise ecológica e de tantas outras questões da atualidade?

Todavia, a teologia tem de fazer escolhas. Sua relação com o mundo, a sociedade e a cultura precisa ter, ao mesmo tempo, um elemento de simpatia e de distanciamento crítico. Muitos teólogos, na ânsia de tornar a fé cristã palatável ao “homem moderno”, têm feito tamanhas concessões a ponto de descaracterizar por completo o evangelho. A busca de relevância e o desejo nobre de construir pontes não podem desconsiderar o fato de que o escândalo da cruz é inevitável no confronto entre a fé e o presente século. Daí a pertinência da conhecida ironia de H. Richard Niebuhr quanto a certas abordagens teológicas: “Um Deus sem ira levou um homem sem pecado a um reino sem julgamento por meio das ministrações de um Cristo sem uma cruz” (O reino de Deus na América, 1937).

Conclusão
Na metade da Idade Média viveu o grande teólogo Anselmo de Cantuária (1033-1109). No seu trabalho, ele se firmou em dois conceitos que se tornaram célebres na história do pensamento cristão: Credo ut intelligam (“creio para que possa entender”) e Fides quaerens intellectum (“a fé em busca de compreensão”). Com isso, Anselmo quis dizer que a tarefa da teologia é mostrar que crer é também pensar, ou seja, que não há uma dicotomia entre fé e reflexão intelectual. Ao mesmo tempo, ele destacou a prioridade da fé, do compromisso com Deus, no labor teológico. Para que seja genuinamente cristã, a teologia deve estar sempre consciente dos seus referenciais. Dentro dos limites impostos por eles, ainda haverá muito espaço para um pensamento fecundo, criativo e desafiador.
Pioneiros da IPB - Pastores Nacionais



Coriolano de Assumpção


Coriolano de Assumpção 2


David Azevedo


David Azevedo 2


David e Dilza Azevedo


Nei Araújo Bacellar


Willis Banks, Vicência e filha


Willis e Vicência Banks


Samuel Barbosa


João Vieira Bizarro


Basílio Braga


Erasmo Braga


Erasmo Braga 2


João e Alexandrina Braga


João Ribeiro de Carvalho Braga


Manoel Alves de Brito


Benedito Ferraz de Campos


Família Carvalhosa


Modesto Carvalhosa


Modesto Carvalhosa 2


Basílio Catalá Castro


Belmiro César e família


Belmiro César


Belmiro César 2


Benjamim César


Benjamim César e Conselho de Campos


Benjamim César e Elvira