quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Duas Classes de Ouvintes

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Sermão pregado por
Charles Haddon Spurgeon
No Tabernáculo Metropolitano, Newinton, Londres.
Sem data, publicado em 1879.

“Mas sejam praticantes da palavra, e não apenas ouvintes, enganando-se a si mesmos. Porque se alguém ouve a palavra, mas não a põe em prática, é semelhante ao homem que olha em um espelho o seu rosto. Porque ele se olha, vai embora e logo esquece sua aparência. Mas aquele que observa atentamente segundo a lei perfeita, que traz a liberdade, e persevera nela, não sendo ouvinte esquecido, mas praticante da obra, este será bem-aventurado no que faz” – Tiago 1:22-25

    Tiago não especulou. Esta máxima “por seus frutos os conhecereis”, parece ter tomado posse de sua mente, sempre exigindo uma santidade prática. Não está satisfeito com os casulos do escutar, mas requer os frutos da obediência. Necessitamos mais de seu espírito prático nos dias de hoje, porque existem certos ministros que não se contentam com semear a velha semente – a mesmíssima semente que da mão dos Apóstolos, confessores, pais, reformadores e mártires produziu uma colheita para Deus – mas gastam seu tempo especulando acerca da semente da discórdia, cultivada debaixo de certas circunstâncias, que não pode produzir trigo; ou se, pelo menos, o bom trigo não melhoraria graças à mescla que se obteria se, tão somente, fosse agregada uma aspersão de sementes de discórdia. Precisamos que alguém tome essas diversas palavras, as ponha em um caldeirão, ferva-as e veja qual o produto essencial e prático que delas surge. Talvez alguns de vocês tenham visto nos jornais, há pouco tempo, um artigo que ficou gravado em minha mente, um artigo que dizia respeito ao estado moral da Alemanha. O autor, um alemão, disse que o ceticismo dos que professam ser pregadores da Palavra e as dúvidas contínuas quanto à revelação que têm sido sugeridas pelos cientistas e, mais precisamente, pelos que dizem ser homens religiosos, têm produzido agora na nação alemã as mais terríveis consequências. O quadro que ele apresenta nos faz temer que nossos amigos germânicos estejam pisando num vulcão que pode entrar em erupção sob seus pés. A autoridade do governo tem sido exercida tão severamente que os homens começam a se cansar dela, e, enquanto isso, a autoridade de Deus está sendo considerada tão inaceitável que a base da sociedade está se debilitando.  Não obstante, eu não necessito basear meus comentários neste artigo, pois a Revolução Francesa no final do século passado permanece na história como uma advertência que perdura com respeito aos terríveis efeitos da filosofia, uma vez que tem semeado a suspeita quanto a toda religião e criou uma nação de infiéis. Eu peço a Deus que aqui não aconteça nada semelhante; mas a parte que está a favor do “pensamento moderno” parece decidida a repetir o experimento. A justa severidade de Deus é tão grandemente ignorada e o pecado é reduzido a um mal tão trivial, que se os homens fossem praticantes do que escutam e aplicassem o ensinamento recebido de certos púlpitos supostamente cristãos, o resultado seria a anarquia. O livre-pensamento sempre leva por esse caminho. Que Deus nos guarde dele.
Enquanto pregadores, muitas vezes, brincam com a pregação, o quanto semelhante é o comportamento de seus ouvintes. Ouvir é, com frequência, meramente um exercício crítico, e a pergunta depois de um sermão não é “como se adapta essa verdade ao seu caso?” mas “ o que você acha dele?”, como se isso tivesse algo em relação com a verdade. Quando você escuta uma música, acaso pergunta “o que você achou da trombeta?” Não, sua mente pensa na música, não no instrumento; não obstante, as pessoas consideram sempre o ministro antes da sua mensagem. Muitos comparam um pregador com outro, quando fariam melhor comparando eles mesmos com a lei divina. Desta maneira, ouvir o evangelho se degrada, sendo um simples passatempo, julgado apenas superior a um entretenimento teatral. Tais coisas não devem ser assim.  Os pregadores devem pregar como para a eternidade e buscar frutos, e os ouvintes devem pôr em prática o que ouvem, pois de outra maneira a sagrada ordenança da pregação deixará de ser um canal de bênção e será mais um insulto a Deus e um ardil para as almas dos homens. Não vou falar de maneira muito longa, ainda que espere falar com muito denodo, de duas classes de ouvintes: a primeira, a classe que não é bem-aventurada, e a segunda, a classe que, conforme o texto, é bem-aventurada no que faz.
Primeiro, A CLASSE QUE NÃO É BEM-AVENTURADA. Escutam, mas são descritos como ouvintes que não são bem-aventurados.  Eles escutam: alguns escutam com bastante regularidade e outros muito raramente, só para passar o tempo; e escutam com muita atenção, porque apreciam uma boa conversa. Talvez estejam interessados na doutrina, já que contam com algum pequeno conhecimento do sistema cristão, e para eles é bom discutir alguns pontos desse sistema. Ademais, adoram poder dizer que escutaram a pregação de alguém que ficou famoso, mas não lhes ocorre pôr em prática o que escutam. Escutaram um sermão sobre o arrependimento, mas não se arrependeram. Escutaram o clamor do Evangelho dizendo: “Creia!”, mas não creram. Eles sabem que aquele que crê é purificado de seus antigos pecados, mas eles não têm experimentado nenhuma purificação, seguem sendo como eram. Agora, se estou me dirigindo a alguns deles, permitam-me lhes dizer: é claro que vocês não são bem-aventurados e não poderão ser. Ouvir falar de um banquete não os saciará; ouvir falar de um córrego não acabará com sua sede. A informação de que há ouro no Banco da Inglaterra não os enriquecerá, para isso precisam de dinheiro de verdade no seu bolso. Saber que há refúgio para a tormenta não salvará o barco da tempestade. A informação de que há uma cura para uma doença, não curará o doente. Não, temos que perseguir o que está à nossa disposição, devemos nos apropriar das bênçãos e fazer uso delas, se é que têm algum valor para nós. Oh, senhores! Sabem o que têm que fazer, mas não o têm feito! Estão um pouco inclinados a prestar atenção às coisas eternas, mas as têm deixado ir. E se gabam entre aqueles que não são bem-aventurados e que escutam em vão.
Continuando, esses ouvintes são descritos como aqueles que estão enganando-se a si mesmos. “Enganando-se a si mesmos” diz Tiago. Em que se enganavam? Pois bem, eles pensavam que por serem ouvintes são consideravelmente melhores; que isso é algo que tem que ser muito elogiado e que, seguramente, receberão uma bênção. Não teriam sido felizes se não tivessem escutado a palavra no domingo, e olham com desgosto os seus vizinhos que não respeitam o dia de guarda. Eles mesmos são gente muito superior porque vão regularmente à igreja ou à capela. Têm um assento reservado[1], um hinário e uma Bíblia: acaso isso não é muito? Se permanecerem distantes de um lugar de adoração durante um mês se sentirão muito incomodados; se não creem exatamente que ir a um local de adoração os salvará, isso tranquiliza suas consciências e se sentem mais à vontade. Eu gostaria de alimentá-los um mês com sua teoria. Eu faria ressoar os pratos em seus ouvidos para ver se isso os alimentaria. Não lhes daria nenhuma cama durante a noite. Por que faria isso? Pregar-lhes-ia sobre o benefício do sonho. Tampouco necessitaria dar-lhes um aposento para que se alojassem; leria para eles uma eloquente dissertação acerca da arquitetura doméstica e lhes mostraria o que deve ser uma casa. Se lhes desse música em vez de alimento, vocês logo se afastariam da minha porta e me chamariam de descortês; e, sem dúvida, vocês se enganam a vós mesmos com a ideia de que simplesmente ouvir acerca de Jesus e de sua grandiosa Salvação os têm feito homens melhores. Ou, talvez, o engano vá em outro sentido: fomentam a ideia de que as severas verdades que escutam não se aplicam a vocês. Pecadores? Sim, certamente, o pregador se dirige aos pecadores, e que bom que obtenham algo de bom dele; mas você mesmo não é um pecador, ao menos não é em nenhum sentido especial a ponto de ter que se ocupar dele.
Arrependimento? A maioria das pessoas deve se arrepender, mas você não vê nenhuma razão para que você mesmo deva se arrepender. Se voltar para Cristo para obter a salvação? “Excelente doutrina” – você diz – “Excelente doutrina!” Mas, por alguma razão, você mesmo não olha para Cristo para que lhe salve. Eis aqui o veredito da Escritura acerca da sua opinião: “enganando-se a si mesmos”. O Evangelho não o engana; diz: “te é necessário nascer de novo, tens que crer em Jesus Cristo ou estais perdido”.  O pregador não engana vocês. Nunca disse nem meia palavra para apoiar a ideia de que vir a este lugar será de alguma utilidade para vocês, a menos que entreguem seus corações a Cristo. Não, tal pregador aprendeu a expressar-se em um inglês claro sobre tais assuntos. Vocês se enganam a si mesmos se, sendo ouvintes e não praticantes, obtêm consolo dos que escutam.
E logo em seguida, de acordo com o nosso texto, estas pessoas são ouvintes superficiais. Diz-se que são semelhantes a um homem que olha em um espelho o seu rosto. Bem, até um ouvinte casual entenderá frequentemente que a pregação do Evangelho é como olhar em um espelho e ver a si mesmo. Quando se mostrou um espelho pela primeira vez a uma tribo de negros, recentemente descoberta, o líder deles, ao se ver, ficou completamente estupefato. Olhou uma e outra vez e não achou uma explicação. Acontece o mesmo com a pregação da Palavra: o homem diz: “Vinde, essas são as minhas palavras: essa é a minha forma de sentir”. Frequentemente tenho me encontrado com ouvintes que exclamam: “que estranho, essa foi a expressão que usei quando estava vindo pra cá”. Sentem como aquela mulher da Antiguidade que disse: “Vinde, vejam um homem que me disse tudo o que eu fiz”. Essa pessoa lê a sua Bíblia e diz: “Vinde, vejam um livro que me diz tudo o que eu fiz. Não é este livro a Palavra de Deus?” Acontece que a Palavra de Deus discerne os pensamentos e as intenções do coração. Assim como têm visto pendurados no açougue os corpos mortos de animais partidos pela metade, assim, a palavra de Deus é “viva e eficaz… e penetra partindo desde a alma e o espírito, as articulações e a medula”. Ela abre o homem e o conduz a ver-se a si mesmo. Fica muito surpreso e não pode entender isso. Não tenho nenhuma dúvida de que muitos de vocês aqui presentes, que não são convertidos, têm sentido isso sob a influência de um sermão investigador. Quando estão lendo as Escrituras ficam perfeitamente desconcertados pela maneira em que se veem revelados a si mesmos; mas tem sido uma obra superficial. Se um homem se vê em um espelho, e logo guarda o espelho e segue o seu caminho, o utilizou pobremente, pois podia lhe servir para que ele tirasse as manchas, e para que, lavando-se, melhorasse a sua aparência. Olhar no espelho e notar uma mancha preta em seu rosto é um simples jogo de crianças se você não lavar essa mancha. Notar-se como Deus quer que você veja a si mesmo no espelho da Escritura é uma coisa, mas você deve ir logo a Cristo para ser lavado ou a ação de olhar-se em um espelho seria uma obra muito superficial. Que Deus lhes conceda que, se forem levados a sentir o poder revelador da Palavra de Deus, possam ir de imediato ao ponto chave e ficarem “lavados e serão limpos.”
     O texto acusa estes indivíduos de serem ouvintes que não refletem: “Ele olha para si mesmo e se vai”. Escutam um sermão e saem. Nunca dão tempo à Palavra para que ela opere; tão logo concluem o serviço, voltam à sua vida normal, voltam à conversa vazia e à “conversa fiada”. As reuniões para resolver as inquietudes dos que buscam são, com frequência, extremamente úteis porque dão às pessoas uma pequena oportunidade de pensar sobre o que têm escutado; mas muito do que se ouve não vem acompanhado da reflexão, de maneira que é ineficaz. Obtemos mais da meditação que da audição. Devemos ruminar igual ao gado, se quisermos obter nutrição do alimento espiritual; mas poucos fazem isto. É uma grande misericórdia para nós, considerando a quantidade de coisas sem sentido que vemos no mundo, que tenhamos dois ouvidos de forma que deixemos entrar as palavras vazias por um ouvido e sair pelo outro; mas é uma grande lástima que usemos estes dois ouvidos dessa mesma maneira com respeito à Palavra de Deus. Dá-lhe abrigo, querido amigo. Não permitas que o Evangelho entre por um ouvido e saia pelo outro. “Como fazer para evitá-lo?” Pois bem, deixe que entre pelos dois ouvidos. Que tenha dois caminhos de entrada diretamente até a alma, e tapa teus ouvidos uma vez que a verdade tenha entrado completamente, e force-a a permanecer na câmara da sua alma. Quanta bênção receberiam os homens se levassem a palavra para casa com eles, se eles desarmassem o texto, o examinassem, considerassem e orassem pedindo uma aplicação pessoal dessa palavra. Então se tornariam espiritualmente sábios pela instrução do Espírito Santo. Mas, ai, são ouvintes irreflexivos. Olham-se no espelho e se vão.
Algo mais foi dito sobre eles, a ver, que são ouvintes muito esquecidos: esquecem que tipo de homens eram. Escutaram o discurso, mas ali termina tudo. Vocês conhecem a história da volta para casa do Sr. Donald, quando saiu um pouco antes do usual da igreja; sua esposa perguntou: “como Donald?! Já terminou o sermão?” Ele respondeu: “não, não: já foi pronunciado totalmente, mas ainda não foi posto em prática”. Mas, enquanto não se começou a ser posto em prática, acontece com frequência que o sermão foi concluído para muitos ouvintes. Escutaram, mas passou através deles como água por um filtro, e já não lembrarão de nada mais dele até o dia do juízo. Não há pecado em ter uma má memória, mas há um grande pecado quando se recusa a obedecer de imediato o Evangelho. Se amanhã pela manhã não puderem recordar o texto, ou nem sequer puderem recordar o tema, não vou culpá-los; mas a lembrança do espírito de todo o assunto, embeber-se da Verdade e absorvê-la em seu interior, isso é o principal, e pôr em prática é a essência mesma do assunto. Fez bem aquele viajante que, quando escutava o senhor William Dawson enquanto falava sobre a desonestidade, se pôs de pé em meio à congregação e quebrou certa fita métrica que usava para enganar os seus clientes. Fez bem aquela mulher que disse que esqueceu o que havia dito o pregador, mas lembrou de queimar o seu alqueire ao chegar em casa, pois tinha também uma medida menor. Não se preocupe em tratar de lembrar o sermão se você lembrar de pô-lo em prática de imediato. Você pode esquecer as palavras em que a verdade foi abrigada, se quiser, mas deixe que ela purifique sua vida. Isso me lembra a piedosa mulher que ganhava seu sustento com lavagem de lã. Quando seu ministro a visitou, e lhe perguntou acerca do sermão que havia pregado, ela lhe confessou que havia esquecido o texto, e ele a inquiriu: “Que bem pudeste obter com ele?” Então ela o conduziu à parte traseira de sua casa, onde praticava o seu ofício. Pôs a lã em uma peneira e logo a bombeou. “Veja ali, senhor” – ela disse – ‘seu sermão é como essa água. Ele flui através da minha mente, senhor, tal como a água corre através da peneira; mas, por outro lado, a água lava a lã, senhor, e assim a boa palavra lava minha alma”. Davi, no Salmo 103 fala daqueles que se lembram dos mandamentos do Senhor para pô-los em prática, e essa é a melhor memória. Procurem tê-la.
Descrevi assim certos ouvintes, e temo que tenhamos muitos assim em todas as congregações; ouvintes que admiram, ouvintes que são afetuosos; ouvintes apegados, mas que todo o tempo são ouvintes carentes da bem-aventurança porque não são praticantes da obra. Perguntamo-nos como é possível que não confessaram nunca serem seguidores de Cristo, mas suspeitamos que não fizeram esta confissão porque não seria verdadeira; e, sem dúvida, são muito bons, muito benevolentes, são úteis para a boa causa e suas vidas são muito retas e louváveis, mas nos aflige que não sejam cristãos resolutos. Uma coisa lhes falta: não possuem fé em Cristo. Surpreende-me verdadeiramente ver como alguns de vocês podem favorecer tanto tudo o que tem a ver com as coisas divinas, e não obstante, não têm nenhuma participação com o bom tesouro. Que vocês diriam de um cozinheiro que prepara comidas para outras pessoas, mas que morresse de inanição? Um cozinheiro insensato, diriam vocês. Um ouvinte insensato, eu digo. Vão ser como os amigos de Tiro de Salomão, que ajudaram a edificar o templo e, no entanto, continuaram adorando seus ídolos? Senhores, vocês irão contemplar e admirar a mesa da misericórdia, e, contudo, recusarão suas provisões? Dá-te um estremecimento de prazer ver tantas pessoas recolhidas dos caminhos e dos valados, que são obrigadas a entrar, e você ficará de fora e não participará da Festa? Sempre me compadeço dos pobres menininhos que, em uma fria noite de inverno, param em frente a uma embaçada vitrine de um restaurante e veem que outros estão comendo um banquete enquanto eles não têm absolutamente nada. Não posso entender vocês; tudo está pronto e vocês foram convidados e persuadidos a vir e, contudo, se contentam em perecer de fome. Eu lhes rogo que reflitam e peço ao Espírito de Deus que os faça praticantes da Palavra, não unicamente ouvintes, pois se enganam a si mesmos.
     II. Mas agora vamos dedicar uns minutos aos que são OUVINTES BEM-AVENTURADOS, aqueles que obtêm a bênção. Quem são esses? Estão descritos no versículo vinte e cinco, Mas aquele que observa atentamente segundo a lei perfeita, que traz a liberdade, e persevera nela, não sendo ouvinte esquecido, mas praticante da obra, este será bem-aventurado no que faz.”
Notem que este ouvinte que é bem-aventurado, é, antes de mais nada, um ouvinte atento, ávido e humilde. Notem a expressão. Ele não olha sobre a superfície da lei da liberdade e segue adiante, mas fixa o olhar para ela. Trata-se da mesma palavra que é utilizada na passagem, “coisas para as quais anseiam os anjos olhar”, e a palavra grega parece implicar algo assim como encurvar-se para olhar muito atentamente para o interior de algo. Assim acontece com o ouvinte que obtém a bênção. Ele ouve o Evangelho e diz: “Vou olhar para isso. Há algo aqui que merece a atenção.” Explora ele como o fazem os homens que estão buscando diamantes ou ouro. “Vou ver o interior disto”, diz. “Minha mãe costumava me dizer que havia algo encantador nisso, e meu pai morreu triunfalmente, graças à sua influência; vou investigá-lo. Não será por falta de exame que o deixarei escapar.” Tal indivíduo escuta com muita atenção e aplicação, abrindo sua alma às influências da verdade e desejando sentir seu santo poder para pôr em prática seus divinos mandamentos. Assim deve ser um ouvinte, um ouvinte atento cujos sentidos estão despertos para receber e reter tudo o que possa ser aprendido.
Está implícito também que é tal ouvinte que recebe bênção um ouvinte reflexivo, estudioso e escrutinador: ele olha para a perfeita lei. Vou utilizar novamente uma figura. Assim como um homem põe um inseto sob um cristal e o inspeciona através do microscópio – olha suas asas, estuda cada uma das vértebras da coluna e cada uma das partes da criatura sob sua investigação – assim também um ouvinte que deseja uma bênção olha de perto para o interior de cada palavra. É sagradamente curioso. Faz perguntas, investiga. Pergunta para todos aqueles que supõe saber. Apraz-lhe juntar-se com cristãos experientes para ouvir sobre suas experiências. É bom para ele acomodar o espiritual ao espiritual, analisar minuciosamente um texto e ver que relação guarda com outro texto e com seus próprios componentes, pois se empenha muito quando ouve a palavra. Ai, queridos amigos, tal como foi dito antes, muitos que ouvem são demasiado superficiais; escutam o que se diz, e ali termina tudo, pois nunca buscam a medula dos ossos. O ouvinte que obtém uma benção, primeiro põe toda a atenção do seu coração, e posteriormente mantém seu coração saturado com a verdade, graças a um devotado e diligente estudo investigativo dela, e assim, mediante o ensino do Espírito, descobre qual é o plano de Deus para sua alma.
Logo este ouvinte segue adiante. Olhando tão fixamente descobre que o Evangelho é uma lei de liberdade: e certamente o é. Bem-aventurada é a condição dos que estão livres da lei de Moisés e estão sob a lei de Cristo, quem emancipa a alma de toda forma de escravidão. Não há nenhum gozo como o gozo do perdão, não há libertação como a libertação da escravidão do pecado, não há liberdade como a liberdade da santidade, a liberdade de aproximar-se de Deus. Quem escuta o Evangelho retamente, logo descobre que há algo nele que removerá cada grilhão de sua alma. Olha, e olha, e ao fim ama essa perfeita lei de liberdade que libera a sua alma para correr no caminho dos mandamentos de Deus. Oxalá que todos vocês o entendessem e tivessem uma participação em seus benefícios. Este é o homem que é bendito enquanto ouve.
Mas acrescenta no texto que ele persevera nela. Se você escuta o Evangelho e ele não lhe abençoa, escute-o novamente. Se você tem lido a Palavra de Deus e não foi salvo, leia novamente. Ela é capaz de salvar sua alma. Você esteve examinando ao longo de um livro gracioso e sincero, e não pareceu adequar-se ao seu caso? Tente outro. Oh, se os homens buscassem a salvação como buscam um tesouro escondido não levaria muito tempo até a encontrarem. Eu lembro, quando estava buscando a Cristo, como li um livro de Doddridge “O Surgimento e o Progresso da Religião” com uma avidez tal como que mostrava quando, sendo um garoto, eu lia algum conto divertido, pois devorava cada página avidamente. Quando terminei o de Doddridge, li de Baxter “Um chamado aos inconvertidos”, que me fez bem, mas não me produziu nenhum consolo. Li cada página e absorvi cada palavra, mesmo que o livro tenha sido extremamente amargo para mim. Eu precisava de Cristo, e se eu podia encontrá-lo, e encontrar a vida eterna por meio Dele, não me importava com quanta frequência meus olhos se cansassem por falta de sono pela leitura. Oh, se vocês chegam a isso: se eles têm que ter a Jesus, o terão. Se sua alma é conduzida a sentir que irá buscá-Lo em todo o céu e em toda a Terra, se for necessário, mas que vai encontrar o Salvador, esse Salvador logo aparecerá diante de você. O ouvinte que ganha a salvação “olha atentamente para a perfeita lei, a da liberdade”, e persevera nela.
     Por último, se acrescenta que este homem não é um ouvinte esquecido, mas um praticante da palavra, e que será bem-aventurado no que faz. A palavra indica que ele ore? Ele ora da melhor maneira que pode. Ordena que ele se arrependa? Então ele pede a Deus que o capacite para arrepender-se. Ordena-se que ele creia? Ele diz: “Senhor, creio; ajuda minha incredulidade”. Ele põe em prática tudo o que ouve. Eu desejaria que tivéssemos milhares de ouvintes dessa categoria. Lembro-me de ter lido acerca de certo indivíduo que ouviu que devemos dar a Deus a décima parte de nossa renda. “Bem” – disse ele – “isso está bem e eu o farei”; e guardou sua promessa. Escutou que Daniel se aproximava de Deus em oração três vezes ao dia. Esse homem disse: “isso está bem; eu o farei”; e praticou uma tripla aproximação ao trono da graça cada dia. Cada vez que ouvia algo que era excelente o convertia em uma regra e o punha em prática imediatamente. Formou assim hábitos santos e um nobre caráter, e se converteu em um bem-aventurado ouvinte da palavra.
Queridos amigos, nosso texto não disse que tal homem é bem-aventurado pelo ato, mas disse que é bem-aventurado no ato. Aquele que faz o que Deus lhe indica não é bem-aventurado por ele, mas é bem-aventurado nele. O feliz resultado nos chegará no ato de obediência. Que Deus lhes conceda a graça de que, a partir de agora, sempre que o Evangelho seja pregado, com a energia que o Espírito de Deus infunde em vocês, sejam movidos a dizer: “eu o farei. Não vou sonhar a respeito, ou falar a respeito, ou perguntar a respeito, ou dizer: eu o farei, sem fazê-lo, mas agora, de imediato, realizarei o ato que foi ordenado”.
Concluo com esta sugestão prática. Para alguns de vocês que me escutam neste dia, a porção restante de sua vida é curta. Estão cobertos de cabelos grisalhos e, de acordo com o curso da natureza, logo haverão de estar diante do seu Juiz. Não seria bom que pensassem acerca do outro mundo e considerassem como vão comparecer diante do seu Senhor no último grande dia? O Evangelho diz: “Crê no Senhor Jesus Cristo”, o que em outras palavras significa, “Confia Nele”. Arrependa-se; confesse seu pecado, abandone-o e olhe para Cristo a fim de ficar limpo. Esse é o caminho da salvação, “aquele que crer e for batizado, será salvo”. Você sabe tudo acerca do caminho da vida. Estou lhe contando uma história que você já ouviu um milhão de vezes, mas a pergunta é: quando você irá praticá-lo? “Em breve, amigo”, você diz. Mas você não estava aqui quando este Tabernáculo foi inaugurado?[2]“Sim”, responde, “creio que sim”.  Naquele dia você disse: “em breve”, e agora diz de novo: “em breve”. Creio que dirá “em breve” até que esta palavra se encontre com a pesada sentença, “tarde demais, tarde demais; não pode entrar agora”. Tome cuidado para que este não seja o seu caso antes de que este dia tenha acabado. Alguns homens morrem de repente. Uma irmã veio a mim esta manhã e me disse: “meu pai está morto: estava bem de manhã, voltou pra casa da oficina, parecia um pouco doente e morreu de repente”. Vendo que a vida é tão precária, não seria melhor que buscasse imediatamente o Senhor enquanto pode ser encontrado, e que o invoque enquanto está perto? Eu sugeriria que não começasse a conversar e a falar no caminho de volta para casa, mas que fique a sós um pouco de tempo tranquilamente. Você responde que não tem nenhum lugar onde possa ficar só? Isso não é certo, pois você pode encontrar um lugar ou outro. Lembro de um marinheiro que encontrou seu aposento de oração no mastro: ninguém subia ali para incomodá-lo. Conheci um carpinteiro que costumava descer a um poço de serragem para orar. Existem muitos lugares como esses. As ruas de Londres, quando estão abarrotadas, são quase tão solitárias quanto qualquer outra parte, e Cheapside[3]pode ser tão bom lugar como o pico de uma montanha se seu coração deseja uma solidão real.
Temo saber que alguns de vocês não pensam nunca. Enquanto pensavam, seus cérebros foram suprimidos, e muitos de vocês viveriam sem eles quase tão bem como fazem agora. Os cérebros de algumas pessoas são usados unicamente como um tipo de sal que as protege, que se usa para evitar a deterioração da morte. A grande maioria das pessoas pensa pouco, com a exceção deste pensamento: “o que comeremos e o que beberemos?” Rogo-lhe que pense um pouco. Faça uma pausa e considere o que Deus o Senhor põe à sua frente. Seja um praticante da obra. Faça o que Deus lhe ordena. Se pedir que se arrependa, arrependa-se; se lhe pede que creia, creia; se lhe pede que ore, ore; que aceite Sua graça, com a ajuda de Deus, aceite. Oh, que faça essas coisas de imediato, e para o Senhor será o louvor pelos séculos dos séculos. Amém.

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