segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Ele não desistiu por amor a ti





Ele podia ter desistido. Ninguém saberia o contrário. Jesus podia ter desistido.

Uma olhada no útero podia tê-lo desencorajado. Deus é desenfreado como o ar e ilimitado como o céu. Ele diminuiria seu mundo para o ventre de uma moça por nove meses?

Ele podia ter desistido. Se não, Ele podia ter pelo menos parado repentinamente. Ele teria que se tornar humano? Que tal ser luz? É uma idéia. O céu podia abrir, e Cristo podia cair na Terra em forma de uma luz branca. E então na luz podia ter uma voz, uma voz como um estrondo, um trovão, de bater os dentes. Agitada em uma rajada de vento e os anjos como acompanhamento, e o mundo inteiro é avisado.

E a estrebaria? Não é outra razão para Cristo desistir? As estrebarias são fedidas, sujas. Como eles irão cortar o cordão umbilical? E quem vai cortá-lo? José? Um carpinteiro insignificante de uma cidade pequena? Não existe um pai melhor para Deus? Alguém com educação, uma linhagem. Alguém com um pouco de influência? Esse sujeito não pôde nem arrumar um quarto de hotel. Você acha que ele tem o necessário para ser o pai do Criador do Universo?

Jesus podia ter desistido. Imagine a mudança que teria que fazer, a distância que teria que percorrer. O que seria tornar-se humano?

Essa pergunta veio à tona esses dias. 

O amor vai até o fim... e Cristo saiu da eternidade ilimitada para ser limitado pelo tempo para tornar-se um de nós. Ele não precisava. Ele podia ter desistido. Em qualquer fase ao longo do caminho ele podia ter abandonado.

Quando Ele viu o tamanho do útero, podia ter parado.

Quando viu quanto sua mão iria ser pequena, quão suave sua voz iria ser, quão faminta sua barriga iria estar, podia ter parado. No primeiro cheiro da fedida estrebaria, na primeira rajada de vento frio. Na primeira vez que arranhou seu joelho ou assoou seu nariz ou comeu pão queimado, podia ter virado e ido embora.

Quando viu o chão sujo da sua casa em Nazaré. Quando José deu um trabalho para fazer. Quando seus companheiros de escola dormiam durante a leitura do Torá, o seu Torá. Quando o vizinho tomou seu nome em vão. Quando o fazendeiro preguiçoso culpou Deus por causa da sua colheita pobre. Em qualquer momento Jesus podia ter dito: “É isso! Já chega! Estou indo pra casa.” Mas Ele não fez isso.

Ele não fez, porque Ele é amor. E “o amor... tudo suporta” (I Cor.13:4-7).

Quando minha dor encontra a Palavra de Deus (2)

Quando minha dor encontra a Palavra de Deus (2)

Leia antes: Quando minha dor encontra a Palavra de Deus (1)

Quando minha filha mais velha tinha por volta de seis anos, ela e eu estávamos discutindo sobre meu trabalho. Parece que ela não estava muito feliz com a profissão que escolhi. Ela queria que eu deixasse o ministério. “Eu gosto de você como pastor”, ela explicou. “Eu só queria realmente que você vendesse raspadinhas.”

Um pedido honesto de um coração puro. Fazia sentido para ela que as pessoas mais felizes no mundo fossem os homens que dirigissem caminhões de raspadinhas. Você toca música. Você vende doces. Você faz as crianças felizes. O que mais você quer? (Pense sobre isso. Ela talvez tenha razão. Eu poderia fazer um empréstimo, comprar um caminhão, e... Não, eu comeria demais).

Eu ouvi o pedido dela, mas não fiz caso dele. Por quê? Porque eu sabia mais. Eu sei pra que sou chamado para fazer e preciso fazer. O fato é que eu sei mais sobre a vida do que ela sabe.

E o ponto é Deus sabe mais sobre a vida do que nós sabemos.

O povo queria que Ele redimisse Israel, mas Ele sabia mais. Ele preferiu que Seu povo fosse temporariamente oprimido a eternamente perdido. Quando foi forçado e escolher entre lutar contra Pilatos ou contra Satanás, Ele escolheu a batalha que nós não podíamos ganhar. Ele disse não para o que nós queríamos e sim para o que nós precisávamos. Ele disse não para um Israel livre e sim para uma humanidade livre.

E mais uma vez, não estamos alegres com o que Ele fez? E não estamos alegres com o que Ele faz? Agora seja honesto. Estamos alegres por Ele dizer não para o que queremos e sim para o que precisamos? Nem sempre. Se pedirmos um novo casamento, e Ele disser para honrarmos o atual, não ficamos felizes. Se pedirmos cura, e Ele disser para aprendermos através da dor, não ficamos felizes. Se pedirmos dinheiro, e Ele disser para darmos valor para o invisível, nem sempre ficamos felizes.

Quando Deus não faz o que queremos, não é fácil. Nunca foi. Nunca será. Mas a fé é a convicção de que Deus sabe mais do que nós sobre esta vida e Ele nos conduzirá através dela.

Lembre-se, o desapontamento é curado por expectativas restauradas.

Eu gosto da história sobre o rapaz que foi à loja de animais de estimação procurando por um periquito que cantasse. Parece que ele era solteiro e sua casa era muito quieta. O dono da loja tinha o pássaro certo para ele, então o homem o comprou.

No dia seguinte o solteiro voltou para uma casa cheia de música. Ele foi à gaiola para alimentar o pássaro e percebeu pela primeira vez que o periquito tinha apenas uma perna.

Ele se sentiu enganado por terem vendido um pássaro que só tinha uma perna, então ele ligou e reclamou.

“O que você quer,” o dono da loja replicou, “um pássaro que pode cantar ou um pássaro que pode dançar?”

Boa pergunta para tempos de desapontamento. O que nós queremos? Foi o que Jesus perguntou aos discípulos. O que vocês querem? Vocês querem liberdade temporária – ou liberdade eterna? Jesus tinha a missão de reestruturar suas expectativas.

Você sabe o que Ele fez? Ele contou a história a eles. Não apenas qualquer história. Ele lhes contou a história de Deus e do plano de Deus para as pessoas. E, começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras (Lucas 24:27).

Fascinante. A cura de Jesus para o coração partido é a história de Deus. Ele começou com Moisés e terminou com Ele mesmo. Por que ele fez isso? Por que Ele recontou o conto antigo? Por que Ele voltou dois mil anos para a história de Moisés? Acho que sei o motivo. Eu sei por que o que eles ouviram é o que todos nós precisamos ouvir quando estamos desapontados.

Nós precisamos ouvir que Deus ainda está no controle. Nós precisamos ouvir que não está acabado até Ele dizer isso. Nós precisamos ouvir que as tragédias e os contratempos da vida não são motivos para teimarmos.

Corrie Ten Boom costumava dizer, “Quando o trem atravessa um túnel escuro e o mundo fica escuro, você pula para fora? Claro que não. Você senta e confia que o maquinista o atravesse.”

Por que Jesus contou a história? Para sabermos que o maquinista ainda controla o trem.

A maneira de lidar com o desânimo? A cura para o desapontamento? Volte à história. Leia-a de novo e de novo. Lembre-se que você não é a primeira pessoa a chorar. E você não é a primeira pessoa a ser ajudada.

Leia a história e lembre-se, a história deles é a sua história!

O desafio é muito grande? Leia a história. É você atravessando o Mar Vermelho com Moisés.

Muitas preocupações? Leia a história. É você recebendo comida do céu com os israelitas.

Suas feridas são muito profundas? Leia a história. É você, José, perdoando seus irmãos por traí-lo.

Seus inimigos são muito poderosos? Leia a história. É você marchando com Josafá para uma batalha que já está ganha.

Seus desapontamentos são muito pesados? Leia a história dos discípulos a caminho de Emaús. O Salvador que eles pensavam que estivesse morto agora andava ao lado deles. Ele entrou em sua casa e sentou-se à sua mesa. E algo aconteceu em seus corações. Porventura não nos ardia o coração, quando ele pelo caminho nos falava, quando nos expunha as Escrituras? (vs. 32).

Da próxima vez que você estiver desapontado, não entre em pânico. Não abandone a situação. Não desista. Apenas seja paciente. Volte à Palavra e deixe Deus lembrá-lo que Ele ainda está no controle.

Leia a história!

Quando minha dor encontra a Palavra de Deus (1)

Quando minha dor encontra a Palavra de Deus (1)


Quando a vida fechar-se, leia a história. Quando alguém em quem você confia retribui com desonestidade.

Quando as marcas de ontem bloqueiam os vôos de hoje.

Quando você tiver sido chutado do topo da montanha e escalar de novo parecer inútil.

Você é colocado frente a frente com uma decisão. O que você faz com sua desilusão? O que você faz com seu coração partido? Nós não estamos falando sobre inconveniências ou irritações. Nós não estamos discutindo sobre filas compridas ou faróis vermelhos ou um jogo ruim de tênis. Estamos falando sobre coração partido. O que você faz com esse coração partido?

Leia a história. Isso é o que Jesus fez quando Ele encontrou dois seguidores desiludidos na estrada de Jerusalém para Emaús, alguns dias depois de Sua morte.

O mundo deles tinha desmoronado, assim como o seu. É óbvio pelo jeito que eles andam. Os pés deles estão arrastados, as cabeças deles estão caídas, os ombros deles estão encurvados. As sete milhas de Jerusalém para Emaús devem parecer setenta.

Enquanto eles andam, eles conversam sobre “todas as coisas sucedidas” (Lucas 24:14). Não é difícil imaginar suas palavras.

“Por que as pessoas se voltaram contra Ele?”

“Ele poderia ter descido da cruz. Por que Ele não desceu?”

“Ele deixou Pilatos intimidá-lo.”

“O que a gente faz agora?”

Enquanto eles andam, aparece um estranho atrás deles. É Jesus, mas eles não O reconhecem. O desapontamento fará isso com você. Ele irá cegá-lo para a presença extraordinária de Deus. O desânimo vira seus olhos para dentro. Deus poderia estar andando ao nosso lado, mas a angústia encobre nossa visão.

A angústia faz algo mais. Não só encobre nossa visão, ela endurece nossos corações. Ficamos cínicos. Ficamos irritados. E quando chega a boa notícia, não queremos aceitá-la pelo medo de ficarmos desapontados novamente. Isso é o que aconteceu com aquelas duas pessoas.

Mais tarde eles dizem estas palavras:

É verdade também que algumas mulheres, das que conosco estavam, nos surpreenderam, tendo ido de madrugada ao túmulo; e, não achando o corpo de Jesus, voltaram dizendo terem tido uma visão de anjos, os quais afirmam que ele vive. De fato alguns dos nossos foram ao sepulcro e verificaram a exatidão do que disseram as mulheres; mas a ele, não o viram.

Quando lemos as Escrituras, nem sempre podemos dizer em que tom as palavras foram ditas. Às vezes não sabemos se a pessoa que fala está jubiloso ou triste ou tranqüilo. Desta vez, entretanto, não há dúvida sobre o que eles estão pensando: Se não fosse ruim o suficiente Jesus ter sido morto, agora algum ladrão de sepultura pegou o corpo e enganou alguns dos nossos amigos.

Estes dois seguidores não estão a ponto de acreditar nas mulheres. Enganar-me uma vez, é vergonha para você. Enganar-me duas vezes, é vergonha para mim. Cléopas e seu amigo estão colocando seus corações em uma concha. Eles não enfrentarão outro risco. Eles não serão machucados novamente.

Reação comum – não é? Ser machucado por amor? Então não ame. Teve uma promessa quebrada? Então não confie. Teve seu coração partido? Então não o entregue. Faça como o P. T. Barnum. Decida o placar culpando o mundo e endurecendo seu coração.

Há uma linha, uma linha tênue, a qual uma vez cruzada pode ser fatal. É a linha entre o desapontamento e a raiva. Entre mágoa e ódio, entre amargura e culpa. Se você está aproximando-se dela, deixe-me avisá-lo, não a cruze. Dê um passo para trás e faça esta pergunta: Por quanto tempo darei atenção à minha mágoa?

Em algum ponto você deve seguir adiante. Em algum ponto você deve curar. Em algum ponto você deve deixar Jesus fazer por você o que Ele fez por aqueles homens.

Sabe o que Ele fez? Primeiro, Ele foi até eles. Sei que já mencionamos isso, mas vale a pena repetir. Ele não sentou e cruzou Seus braços e disse, “Por que esses dois não conseguem seguir com o programa?” Ele não reclamou para o anjo e disse, “Por que eles não crêem no túmulo vazio? Por que eles são tão difíceis de agradar?”

O que Ele fez? Ele os encontrou em seus pontos de dor. Apesar da morte ter sido destruída e o pecado anulado, Ele não se aposentou. O Senhor ressurreto mais uma vez embrulhou-Se em carne humana, colocou roupas humanas, e descobriu corações partidos.

Leia cuidadosamente suas palavras e veja se você consegue descobrir a mágoa deles: “Ele lhes perguntou: Quais? E explicaram: O que aconteceu a Jesus, o nazareno, que era varão profeta, poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo, e como os principais sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à morte, e o crucificaram. Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de remir a Israel (Lucas 24:19-21).

Aí está. “Ora, nós esperávamos...” Os discípulos esperavam que Jesus libertasse Israel. Eles esperavam que Ele chutasse os romanos para fora. Eles esperavam que Pilatos estivesse fora e Jesus estivesse dentro. Mas Pilatos ainda estava dentro, e Jesus estava morto.

Expectativas não realizadas. Deus não fez o que eles queriam que Ele fizesse.

Eles sabiam o que eles esperavam de Jesus. Eles sabiam o que era esperado que Ele fizesse. Eles não tinham que perguntar a Ele. Se Jesus é o Messias, Ele não dormirá na minha tempestade. Ele não desafiará a tradição. Ele fará o que é esperado que Ele faça.

Mas não foi o que ele fez. E nós não estamos alegres? Não estamos alegres por não ter sido respondida a oração de Cléopas e de seu amigo? Não estamos alegres por Deus não ter ajustado Seus planos para realizar os pedidos daqueles dois discípulos?

Eles eram bons discípulos. Com corações bons. E corações sinceros. Eles só tinham as expectativas erradas.

Eles não conseguiam esquecê-lo

Eles não conseguiam esquecê-lo

por Max Lucado

“Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato.” Atos 2:32 
Nós não sabemos para onde os discípulos foram quando fugiram do jardim, mas sabemos o que eles levaram: uma lembrança. Eles levaram uma lembrança comovente de um homem que se dizia ser nada menos do que Deus encarnado. E eles não conseguiam tirá-lo de suas cabeças. Mesmo que eles tentassem, não conseguiriam esquecê-lo. 
Se eles vissem um leproso, eles recordariam de sua compaixão. 
Se eles ouvissem uma tempestade, eles lembrariam do dia que ele silenciou uma. 
Se eles vissem uma criança, eles recordariam do dia que ele segurou uma. 
E se eles vissem um cordeiro sendo levado para o templo, eles lembrariam de seu rosto com riscos de sangue e seus olhos alagados de amor. 
Não, eles não conseguiam esquecê-lo. Como resultado, eles voltaram. E, como resultado, a igreja de nosso Senhor começou com um grupo de homens atemorizados em um cenáculo.

A caminho de casa

A caminho de casa

“Gememos interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo.” Romanos 8:23

O envelhecimento é idéia de Deus. É uma das maneiras através da qual ele nos mantém a caminho de casa. Nós não podemos mudar o processo, mas podemos mudar nossa atitude. Aqui está um pensamento. E se olhássemos para o corpo que está envelhecendo como olhamos para o crescimento de uma tulipa?
Você vê alguém se lamentando pelo fim do bulbo da tulipa? Os jardineiros choram quando o bulbo começa a enfraquecer? Claro que não. Nós não compramos espartilhos de tulipa ou creme para pétalas enrugadas ou consultamos cirurgiões plásticos para as folhas. Nós não nos lamentamos pelo fim do bulbo; nós o celebramos. Os amantes de tulipa se alegram no minuto em que o bulbo enfraquece. “Olhe esse”, eles dizem. “Está a ponto de florescer”.
Será que o céu faz o mesmo? Os anjos apontam para os nossos corpos. Quanto mais frágeis nos tornamos, mas excitados eles ficam. “Olhe para aquela senhora no hospital”, eles dizem. “Ela está a ponto de florescer”. “Fique de olho no rapaz com o coração ruim. Ele virá logo para casa”.

Isto é amor

Isto é amor

“Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou” 1 João 4:10
O amor nunca falha!
Espere um minuto, ninguém tem um amor infalível! Nenhuma pessoa pode amar com perfeição.
Está certo. Mas Deus não é uma pessoa. Diferente do nosso amor, o seu amor nunca falha! O amor de Deus é imensamente diferente do nosso. O nosso depende do receptor do amor. O nosso amor será regulado pela aparência ou pela personalidade. Mesmo quando encontramos algumas pessoas das quais gostamos, os nossos sentimentos ainda flutuam.
Deus nos ama por causa da nossa bondade? Por causa da nossa gentileza? Por causa da nossa grande fé?
Não. Ele nos ama por causa da SUA bondade, gentileza e grande fidelidade. O amor de Deus nasce de dentro dele, não do que ele encontra em nós. O seu amor é incondicional, espontâneo. Deus o ama simplesmente porque ele escolheu fazê-lo!

Segunda chance




Segunda chance



Era pequena o suficiente para passar despercebida. Apenas duas palavras. Eu sei que li essa passagem centenas de vezes. Mas nunca a tinha percebido.
Mas eu não a deixarei passar despercebida de novo.
Ela está destacada em amarelo e grifada em vermelho. Pode ser que você queira fazer o mesmo.
Veja em Marcos, capítulo 16. Prepare o seu lápis e aprecie esta joia no sétimo versículo (aqui está). O versículo diz assim: “Vão e digam aos discípulos dele e a Pedro: Ele está indo adiante de vocês para a Galileia”.
Você percebeu? Leia novamente. (Desta vez eu coloquei as palavras em itálico).
“Vão e digam aos discípulos dele e a Pedro: Ele está indo adiante de vocês para a Galileia”.
Agora fale para mim se isso não é um tesouro escondido.
Se eu parafraseasse as palavras, “Não fiquem aqui, vão e digam aos discípulos”, uma pausa, então um sorriso, “e especialmente a Pedro, que ele está indo adiante de vocês para a Galileia”.
Que frase. É como se todo o céu tivesse visto a queda de Pedro – e é como se todo o céu quisesse ajudá-lo a levantar-se novamente. “Tenham certeza e digam a Pedro que ele não foi deixado de fora. Digam a ele que uma falha não resulta em um fiasco”.
Uau!
Não é de se surpreender que eles o chamem de evangelho da segunda chance.
Aqueles que conhecem estes tipos de coisas dizem que o Evangelho de Marcos é realmente as anotações transcritas e os pensamentos ditados por Pedro. Se isto for verdade, então foi o próprio Pedro quem incluiu estas duas palavras! E se estas realmente forem palavras dele, não posso deixar de imaginar que o velho pescador teve que limpar uma lágrima e engolir um aperto na garganta quando ele chegou neste ponto da história.
Não é todo dia que você ganha uma segunda chance. Pedro devia saber isso. Da próxima vez que ele viu Jesus, ele ficou tão animado que mal vestiu seus calções antes de pular na água gelada do Mar da Galileia. Também foi suficiente para, como dizem, fazer com que este galileu do interior levasse o evangelho da segunda chance até Roma onde o mataram. Se você já se perguntou o que levaria um homem a estar disposto a ser crucificado de cabeça para baixo, talvez agora você saiba.
Não é todo dia que você encontra alguém que lhe dará uma segunda chance – muito menos alguém que lhe dará uma segunda chance todo dia.
Mas em Jesus, Pedro encontrou ambos.
Carta a Richard Dawkins (5)

por Jorge Luiz Sperandio

A maternidade da mulher
Paulo diz que Deus, nosso Salvador, (...) quer que todos os homens sejam salvos 1, e também que Deus é o Salvador de todos os homens, sobretudo dos que têm fé 2. Se existe uma salvação especial para aqueles que têm fé, fica claro que todos, homens e mulheres, independente de qualquer crença, já foram alvo de algum tipo de salvação. E que salvação seria essa – aplicada a todos, diferente daquela que vem pela fé – reservada para alguns?
Temos aprendido com o cristianismo que se trata da graça comum, estendida a todos. E em que consistiria tal graça, senão nascer e viver no mundo, e contemplar, como lembra Dawkins, a luz, as estrelas, as plantas, a vida, e os coros do amanhecer? Entretanto, como nascemos e viemos ao mundo? Pela maternidade da mulher, essa mesma que, bem conhecida pela medicina, precisa de água, de placenta, acontece na dor, em meio a riscos de morte, tribulação, envelhecimento, etc.
Um batismo de água na gravidez
A maneira incomum como Pedro descreve o dilúvio, é também significativa nesse trabalho de incluir a maternidade, como a conhecemos hoje, na história da salvação. Ele diz, “estranhamente”, que na arca poucas pessoas, isto é, (apenas) oito, foram salvas por meio da água 3 (é ela mesma Dawkins, a Arca de Noé! 4). Isto é inicialmente tão esquisito quanto dizer que Ló foi salvo da destruição de Sodoma não pelo anjo que o tirou da cidade, mas pelo fogo que caiu sobre ela 5. E que relação isto teria com a maternidade? Assim como os tripulantes da arca foram salvos pela água do dilúvio – que foi morte para muitos -e isso para a família de Noé foi um batismo de vida, também a tribulação da gravidez e do parto, na morte, num batismo de água, faculta o nascimento da vida. A mesma idéia é defendida também por Paulo, quando associa o batismo de água com livramento, tribulação e morte: na nuvem e no mar, todos foram batizados em Moisés 6 – ou seja, o batismo de água, que franqueou a redenção de Israel, custou ao Egito tribulação e a morte.
Um batismo de sangue no parto
No processamento da vida, que acontece no pecado e na morte, a salvação demanda, também, como lembrou Dawkins citando a carta aos Hebreus, o derramamento, ou efusão, de sangue.Segundo a Lei, quase todas as coisas se purificam com sangue; e sem efusão de sangue não há remissão 7. Na carta aos Colossenses se diz que fomos circuncidados, por uma circuncisão não feita por mão de homem (derramamento de sangue), mas (pela) circuncisão de Cristo 8(derramamento de sangue), que, por sua vez declara: Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados 9. E Paulo insiste nisso quando pergunta: Ou não sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, é na sua morte (derramamento de sangue) que fomos batizados? 10
Pois bem, seja pelo trauma genital – que às vezes acontece – seja pelo desprendimento da placenta – que sempre acontece – nenhum dos filhos de Eva veio ao mundo sem derramar sangue. Ora, se a maternidade tivesse sido, de fato, obra da criação, porque haveria de derramar sangue? Instituída, neste caso, antes do pecado não precisaria perder sangue, já que não necessitaria de perdão. De outra forma, porque haveria de perder “vida” ou a “alma”, no parto, já que, segundo o mesmo livro de Gênesis, o sangue é a “alma” da vida; e em se tratando da humanidade, a vida que foi feita à imagem de Deus 11.
Um fato descrito no Evangelho sobre o nascimento de Jesus, parece atestar, com mais clareza, que o parto, que nos trouxe à vida, não deve ser produto da obra da criação: Quando se completaram os dias para a purificação deles, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém a fim de apresentá-lo ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor (...) e para oferecer em sacrifício, como vem dito na Lei do Senhor, um par de rolas ou dois pombinhos 12. A Lei referida 13trata da purificação da mulher depois do parto, quando um dos pombinhos deverá ser sacrificado para o holocausto e o outro em sacrifício pelo pecado fazendo o sacerdote, por ela, o rito de expiação e ela ficará (então) purificada 14. Ora, Lucas não está falando do nascimento de qualquer um de nós, mas do próprio Jesus! Porque sua mãe deveria ficar purificada do pecado? Qual pecado? De origem sexual não era, já que o texto ressalta que nascera de uma virgem. Uma resposta imediata seria que Lucas enfatiza a observação do cumprimento da Lei pelos seus pais. Isto, provavelmente, deve ser verdadeiro. Mas a pergunta é: por que purificar-se depois do parto? De todos os partos, independentemente se foram frutos de adultério ou não? Porque a expiação pelo pecado do parto (!). Pior: a Lei coloca o parto na mesma lista de impurezas que inclui também a doença da pele, o mofo das casas, ou o corrimento de doenças sexualmente transmissíveis 15. Se a gestação e o parto (como as outras doenças referidas) forem obras da criação, porque a necessidade da expiação, num sacrifício para o pecado? Será que a loucura de pedra é mais antiga do que imagina Dawkins?
Ou seja, a declaração acerca da maternidade em Gênesis 3, logo após o pecado, implica,necessariamente, na mudança do ordenamento reprodutivo instituído em Gênesis 1. Disse Deus à mulher: Multiplicarei as dores de tuas gravidezes, na dor darás à luz filhos. Se queremoscoerência é preciso assumir que aquilo que Deus disse que iria ocorrer, de fato ocorreu; se queremos conseqüência, é preciso entender que o que veio a ser, a partir do que Ele disse, não existia antes que Ele tivesse dito; e se queremos consistência, é preciso admitir que: se o que veio a existir antes não existia, isto só pôde ocorrer através de mudanças que foram impostas ao ordenamento reprodutivo anterior. Como teria sido a geração de pessoas, antes do pecado, ou como seria a concepção, fora do pecado, provavelmente não se poderá mais que especular. Se temos tido dificuldade em entender o que nos fora dado a conhecer, na Escritura inteira, o que dizer daquilo que não coube expor na história da primeira semana?! O fato de a Escritura dizer que não havia morte antes do pecado também não nos autoriza a imaginar para o cenário que precede o pecado a mesma disposição atual da reprodução, “isentada” das características que, como vimos, se juntou posteriormente a ela.

Pois é, Dawkins, vontade de continuar não falta – mas a carta está ficando muito longa. Teríamos que falar, um pouco mais, também, do pecado e da primeira semana. De qualquer forma, acredito ter cumprido boa parte do objetivo inicial para esta exposição, considerando que, anteriormente, já pudemos tratar da concepção dos dias na criação 16 e do perfil das mudanças nos diversos momentos de sua história 17. Antes de terminar, entretanto, gostaria de citar outra passagem do Novo Testamento que relaciona a maternidade com a salvação. Disse Jesus: “Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer do alto não pode ver o reino de Deus”. Perguntou-lhe então Nicodemos: “Como pode um homem nascer, sendo já velho?” “Poderá entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e nascer?” Jesus, então, respondeu-lhe: “Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus; o que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito; não te admires de eu te haver dito: deveis nascer do alto” 18. Um pouco antes 19, o mesmo evangelista diz que da plenitude (do Redentor)todos nós recebemos graça por graça (ou em outra tradução graça sobre graça20); assim, o edifício da salvação parece ser composto de dois andares: no primeiro - o da carne, se nasce pela água e pelo sangue a partir da maternidade de Eva; o segundo - o do alto, se “nasce” pelo Espírito, na salvação que se completa pela fé.
Gostaria de agradecê-lo, Dawkins, por esta oportunidade - trazida pelas coisas úteis do seu livro. Finalmente, agradeço a Deus pelo privilégio de poder comentá-lo.
Grande abraço,

Jorge Luiz Sperandio
Notas:
1 1Timóteo 2, 3. 4.
2 1Timóteo 4, 10.
3 1Pedro 3, 20.
4 Deus, um Delírio: pp.425 e 426.
5 Gênesis 19,16.
6 1Coríntios 10, 2.
7 Hebreus 9, 22.
8 Colossenses 2, 11.12.
9 Mateus 26, 28.
10 Romanos 6, 3.
11 Gênesis 9, 4. 6. 
12 Lucas 2,22 - 24. 
13 Levítico 12, 1 - 8.
14 Levítico 12, 8.
15 Levítico 12 - 15.
16 No ensaio Tarde e Manhã em Gênesis um, a partir do artigo Does the day begin in the evening or morning? de H.R. Stroes, se avalia que “as dificuldades de interpretação ainda existentes decorrem de um tratamento indistinto dos dias”, propondo, então, que os dias criativo, comum e cúltico sejam reconhecidos de maneiras diferentes. No dia comum, o dia-luz, composto pelas metades manhã e tarde, precede a noite; no dia cúltico, a seqüência se inverte, em relação ao dia comum, e a noite, “emoldurada” pelos crepúsculos da tarde e da manhã, precede o dia-luz; no dia criativo, por sua vez, se a noite deve ser entendida antes do dia-luz (no que lembra alguma semelhança com o dia cúltico), ele, entretanto, se distingue de ambos: difere do dia cúltico por que não tem a “moldura” dos crepúsculos e difere do dia comum porque inverte a seqüência das metades do dia-luz, colocando a tarde antes da manhã. 
17 No comentário do artigo de Jorge Pinheiro, Einstein e os caminhos da criação: a cosmogonia judaica e o conceito espaço-tempo em Gênesis um, se diz que “ao trazer para o estudo da primeira semana a noção física do espaço-tempo, o autor avança, em muito, no trabalho de buscar uma leitura mais justa e coerente do primeiro capítulo de Gênesis”, permitindo, entre outras coisas, “avaliar as mudanças que ocorreram durante a primeira semana, até o sexto dia, e seguiram acontecendo (posteriormente), até que surgisse o espaço-tempo vigente, formador dos dias atuais”; mudanças que, de outra natureza, “introduzem o que ainda não havia, ou mudam para o que ainda não existia”, deixando “reconhecer realidade no texto (ou seja,) a criação como fato e não mito (...)”.
18 João 3, 3 - 7.
19 João 1, 16.
20 Bíblia de Jerusalém, nota “p”, p. 1986.
Bibliografia
A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985.
DARWIN, C. Origem das espécies, tradução Eugênio Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002. 
DAWKINS, R. Deus, um delírio; tradução de Fernanda Ravagnani. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 
DAWKINS, R. O relojoeiro cego: A teoria da evolução contra o desígnio divino, tradução de Laura T.Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 
DENNETT, D.C. A perigosa idéia de Darwin: a evolução e os significados da vida, tradução de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro, Rocco, 1998.
DESCARTES, R. Discurso do método, tradução de Elza Moreira Marcelina. Brasília: Ed. Universidade de Brasília; São Paulo: Ática, 1989.
FREUD, S. Esboço de Psicanálise. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição Standard brasileira, vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
HOLANDA, A.B. Novo Dicionário da Língua Portuguesa (Aurélio). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
PINHEIRO, J. Einstein e os caminhos da criação: a cosmogonia judaica e o conceito espaço-tempo em Gênesis um. Rev. Teol. Latino-americana Vox Scriptuarae, v. VII, n. I, pp.25-36, 1997. 
Disponível em http://www2.uol.com.br/bibliaworld/igreja/estudos/gen001.htm
RENKENS, H. Creacion, paraíso y pecado original, segun Genesis 1- 3. Madrid: Guadarrama, 1969. 
SPERANDIO, J.L. e outros. Tarde e manhã em Gênesis um: os dias, o tempo e a relatividade. Rev.Teol. Sem. Presb. do Sul, a. LVII, n. 43, pp. 27-46, 1996. Disponível em http://www2.uol.com.br/bibliaworld/igreja/estudos/gen004.htm
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STROES, H.R. Does the day begin in the evening or morning? “Some Biblical Observations” in Vetus Testamentus, v. 16 (1966): 460-475.
Carta a Richard Dawkins (4)

por Jorge Luiz Sperandio

Tirando a culpa
Não concordo que a Escritura diga que eu tenha que herdar alguma culpa pela falta de Adão ou, em relação a Deus, tenha que ser culpado, também, pelos pecados que eu cometo. E se não temos que herdar, nem nós e nem as crianças - nascidas ou por nascer1, qualquer culpa pela falta de Adão, que importância teria ele na história da humanidade? Na carta aos Romanos se diz que, por meio de um só homem, o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram 2. Esta parece ser, de fato, a importância de Adão: trazer a morte a todos os homens e, dentro dela, o pecado. De Adão não se herda, assim, culpa, mas morte: e por isso todos pecaram (e continuam pecando): porque todos nasceram na morte; e, na morte, não há como não pecar. O que herdo de Adão, portanto, é morte e um corpo pecador; e não culpa: nem pelo pecado que ele cometeu e, aliás, em relação a Deus, nem pelo pecado que eu cometo! Contudo, esta ausência de culpa não melhora minha condição em relação a Deus - pelo contrário, evidencia, ainda mais, a gravidade do meu afastamento: ou seja, se Adão, tendo a opção de não pecar (pois a morte ainda não existia), entrou na morte através do pecado, no meu caso, além de não ter a opção de não pecar, eu entro no pecado através da morte.
Culpa e graça
De acordo com a interpretação habitual, ou histórica, temos atribuído à culpa o mesmo sentido que a Escritura reservou para a graça. Na mesma Carta aos Romanos, um pouco antes 3, se diz que Abraão creu em Deus, e isso lhe foi levado em conta de justiça; e, como, aliás, também Davi proclama a bem-aventurança do homem a quem Deus credita a justiça (...). Quando se rotula o homem “culpado” pela transgressão de Adão, “creditamos” ao homem essa culpa –que ele, na verdade, não parece ter: quem tem culpa pelo pecado de Adão é o próprio Adão! Como já se disse acima, o que herdamos de Adão é morte e um corpo pecador; e isto se aplica também a Dawkins - queira ele ou não, tendo em vista que ele, assim como eu, também morrerá (espero, aliás, que morra antes de mim, já que nasceu em 1941 e eu, muito depois, em 1958). Não fosse a Escritura, porém, não se saberia disso; não fosse a Lei de Moisés não se entenderia o pecado, que, aliás, já existia, há muito, no mundo – mas o pecado não é levado em conta quando não existe lei 4. Mas a lei não vem para “creditar” culpa: o que ela deve fazer é instruir a respeito do pecado, mostrando que todos, sem exceção, pecam (é por isso que não cabe culpa: por que não há como evitar, em relação a Deus, o pecado). Assim, não parece que o interesse de Deus é ajuntar uma multidão de desgraçados, atribuindo-lhes culpa e mais culpa por causa do pecado; longe disso, a salvação do Novo Testamento, no que toca ao pecado, é exatamente a possibilidade de não considerá-lo: Bem-aventurados aqueles cujas ofensas foram perdoadas e cujos pecados foram encobertos. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não leva em conta o pecado 5. E qual o pecado? O de Adão? Não, mas o pecado daqueles que não pecaram de modo semelhante à transgressão de Adão 6. Porque, não fosse assim, a salvação teria que incluir um exercício bem esquisito de “põe pecado fictício”, em quem não tem culpa (pelo pecado de Adão) e “tira culpa fictícia” de quem, pela impossibilidade de não pecar (todos nós), não poderia mesmo ter culpa.
Se a salvação, vista desta maneira, não tira o pecado herdado –porque ele não existe, e se, também, não tira a culpa dos demais pecados -porque ela não existe, o que muda na loucura de pedra do Novo Testamento?
Dizer que não há herança ou culpa não significa dizer que não existe pecado - que já estava no mundo antes de ser dada à lei - pois o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte – que, também ela, se não existia no mundo antes do pecado, já estava também no mundo quando veio a lei. E sob a morte, umbigo do pecado, todos pecaram – porque todos morrem,mesmo aqueles que não cometeram pecado semelhante à transgressão de Adão 7. Ou seja: Adão pecou, e, depois, dele, todos, dessa geração nascida fora do paraíso, na morte, pecamos.
Salvação
Temos falado em salvação; Dawkins fala em expiação do pecado hereditário e Jesus como o redentor de todos os nossos pecados. O dicionário pode ser um apoio suficiente no tocante aos significados relacionados a estes termos. Em seus principais significados seguem, para cada um deles, as respectivas definições. SALVAÇÃO: ato ou efeito de salvar (-se), ou de remir. SALVAR:tirar ou livrar (de ruína ou perigo), por a salvo, livrar de ruína ou perda total, conservar, guardar, manter, defender, preservar, poupar, salvaguardar, livrar da morte, etc. REMIR: adquirir de novo, tirar do cativeiro, resgatar, recuperar-se de uma falta, reabilitar-se, etc. EXPIAÇÃO: ato ou efeito de expiar. EXPIAR: remir (a culpa) cumprindo pena; pagar; sofrer as conseqüências de; sofrer, padecer; purificar; purificar-se. REDENTOR: que redime; aquele que redime. REDIMIR: Remir e, finalmente, REDENÇÃO: ato ou efeito de remir; ajuda ou recurso capaz de livrar ou salvar alguém de situação aflitiva ou perigosa 8.
Salvação, portanto, seja ela qual for, vai pedir sempre duas perguntas: (1ª) salvar o quê?; e, (2ª) de quê? -pois, o que não existe não precisa ser salvo; e também não precisa de salvação aquilo que existe e não tem dano ou risco de perda. Assim, com relação às coisas que existem, “salvação” tem dois significados: não deixar perder o que tem risco de perda (salvar), ou recuperar aquilo que, depois de feito, se perdeu (remir).
Paulo nos diz em outra carta 9, que a Escritura encerrou tudo debaixo do pecado. Isto significa dizer que o pecado de Gênesis 3:6 dividiu a Escritura em duas partes: a primeira, anterior ao pecado, se refere a tudo o que ocorreu até ele; e a segunda, posterior ao pecado, relata as ocorrências seguintes a ele, incluindo o Novo Testamento, o próprio Dawkins, eu, os Estados Unidos, o Talibã e tudo o que existe, ou existiu, no mundo inteiro, até hoje. Acontece, entretanto, que a gravidade desse primeiro pecado não repercutiu apenas no que viria depois dele: atingiu, também, toda a obra que já estava pronta antes dele (porque, quando o autor diz tudo, refere-se também ao que já existia) e lhe ficou sujeita, não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu 10. E o que já existia antes do pecado? Toda a criação, pois em Gênesis 2:2,4 antes mesmo de narrar o paraíso, ficou escrito que Deus concluiu no sétimo dia a obra que fizera e no sétimo dia descansou, depois de toda a obra que fizera. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, pois nele descansou de toda a sua obra da criação. Esta é a história do céu e da terra, quando foram criados. Este texto é marcante e definitivo. Como teremos que ver mais adiante, a história da criação termina aqui, e isto é bem acentuado: por quatro vezes se diz que, a obra da criação havia terminado, e que Deus já havia terminado de fazer a obra inteira da criação.
A salvação da criação
E aí, Dawkins? Tranqüilo? Provavelmente a pergunta que temos pela frente, agora, seja: Qual, então, a finalidade da expiação realizada pelo Novo Testamento se o pecado de Adão não for “imputado” e se não nos cabe, também, “culpa” pelos pecados vividos depois dele? Talvez fosse mais acertado responder que a finalidade da Salvação seja salvar o que? a criação de quê? do pecado. Isso realmente parece verdadeiro, além de simples e óbvio. Mas, se de fato é assim, porque nada mudou na criação depois de concluída ou consumada 11 a Salvação? Alguém poderia dizer que, “na verdade, veja bem, a salvação –que só se consegue pela fé, é coisa que ainda virá no futuro, quando será dado aos que crêem, o prêmio da vida eterna!”.
Ainda bem, e graças a Deus por isso, que a salvação vem mesmo pela fé, e não leva em conta o torpor, ou a arrogância, com que muitas vezes tratamos os detalhes, nem sempre sutis, do texto apresentado pela Escritura.
Temos tido uma interpretação equivocada dos primeiros capítulos do Gênesis. E este parece ser nosso maior erro: não assumir as mudanças que pontuaram o cenário da criação a partir do sétimo dia 12. Paulo diz que por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, e assim a morte passou a todos os homens (...) 13. E isto é o que precisamos assumir: que a morte não fora criada na primeira semana, mas que entrou no mundo depois que a criação estava pronta. Se o que buscamos é consistência na interpretação, temos que aceitar que a morte não existia até o pecado, só iniciando-se, na criação, depois dele; se queremoscoerência na exposição, é preciso reconhecer que a morte não poderia, obviamente, figurar no cenário da criação enquanto não havia pecado; e se precisamos de conseqüência na exposição dos eventos, é preciso admitir que houve mudanças no cenário natural, depois que a obra da criação já se encontrava pronta.
Nossa tarefa será a de substituir a interpretação comum, que nos dá a idéia – falsa - de que a história da criação pretende nos informar sobre tudo o que existe, atualmente, no mundo, por outra mais adequada, que nos diz como foi que o mundo criado até o sexto dia – e terminado “muito bom”- se transformou, depois da morte, neste outro mundo que conhecemos hoje, no qual vivemos e, com ele, interagimos. Se quisermos entender, de fato, como o nosso mundo se tornou o que é hoje, temos que continuar a leitura do Gênesis até o dilúvio – a fim de verificar as mudanças físicas que sobrevieram a ele; temos que ler os demais livros da Lei e do Antigo Testamento, se quisermos entender a dimensão e a gravidade das mudanças que surgiram com a morte; e, por fim, temos que ler o Novo Testamento, se o que buscamos é entender nossa condição humana, o mundo de um modo geral e a finalidade da Escritura.
Adão não salvou
Terminado o trabalho de criar, na primeira semana, descreve-se, no capítulo dois, a feitura do paraíso e a formação do casal de humanos ali colocados. É dado a este homem o mandamento de não comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal e, no caso da obediência, o poder de se evitar a morte. Paulo fala em Adão como figura daquele que devia vir... 14 Ou seja, Adão também fora chamado para desempenhar um papel salvador – o de salvar a criação que estivera pronta até ali. Na seqüência do texto informa-se que não houve fidelidade: o homem comeu do fruto da árvore proibida e pecou contra o mandamento que lhe fora dado, pondo a perder o paraíso que lhe cabia preservar.
Interessante a associação que me ocorre quando digito este texto. A programação destesoftware 15 incorpora o sentido bíblico exato (e literal, conforme o dicionário) do que estamos falando. O texto que digito está integralmente na tela, diante de mim, e, se não quero perdê-lo, tenho que “clicar” em salvar: ou seja, para não perdê-lo, devo salvá-lo. Note-se que quando aciono salvar o texto não está perdido, mas corre o risco de perder-se. A idéia que posso ter dessa argumentação de Paulo é que Adão, o primeiro salvador não cumpriu seu papel de salvar, deixando perder, com sua não obediência no paraíso, a criação inicial. O Cristianismo tem entendido, e me parece coerentemente, Jesus como o segundo Adão, na história da salvação 16. Entretanto, além de salvador, Jesus é chamado também de Redentor, como Dawkins se refere em seu livro. Vimos acima que Remir tem um significado um pouco diferente de Salvar: se salvartem a ver com algo que ainda não se perdeu (mas corre o risco de perder-se), remir tem um sentido mais próprio de recuperar o que já é dado como perdido. Neste mesmo software que utilizo, diante de uma falha eventual de energia, a integridade do documento é prejudicada e o material digitado que não fora salvo até aquele momento se perde; mesmo assim, o documento é sustentado precariamente pela máquina até que, no retorno da normalidade da energia, o programa peça que (o documento avariado) seja salvo (agora no sentido de remir), sob outro nome de arquivo. Novamente a imagem é adequada para o conteúdo do Novo Testamento: a integridade que se perdeu, com a falha da energia (infidelidade/Adão), pôde voltar à existência - ainda que danificada, sob outro nome de arquivo - conforme se pede em recuperar, ou salvar como (fidelidade/Jesus).
Voltemos a Paulo: o salário do pecado é a morte 17. Se Adão pecou, teria de morrer; e ele, de fato, morreu. O que nem sempre atentamos é que, quando ele pecou, ainda não tinha descendência: a descendência lhe foi dada depois do pecado. Se hoje somos da sua descendência, pode parecer que a Lei “não fora” cumprida; isto sem considerar que o próprio Deus desconsiderou sua palavra ou “descumpriu” sua própria Lei. O que o Novo Testamento parece mostrar é que esta “tolerância” – a de permitir que houvesse descendência para Adão, mesmo na vigência do pecado e da morte, teve um custo, um preço: uma fidelidade até a morte – e morte de cruz, na própria arena do pecado - levada a efeito pelos descendentes que vieram depois dele (eles não sabem o que fazem 18). Pudemos ganhar existência, assim, dentro da morte que sobreveio a Adão; vivendo, no corpo, a morte “inaugurada” por Adão. E se nesse corpo de morte tenho alguma espécie de vida - e nela continuo pecando, deve ser porque já recebemos algum perdão, alguma remissão, ou nosso pecado foi encoberto – e isto vale, inclusive, para Dawkins, é claro, na graça comum.
Até onde sei, a Escritura não diz como isto teria sido decidido, entre Jesus e Deus, mas me vem à lembrança os diálogos anteriores entre Moisés e Deus - numa situação parecida, quando, depois de um episódio de infidelidade coletiva, Deus iria por fim ao projeto de levar o povo do Egito para outra terra,. Disse Deus a Moisés: Agora, pois, deixa-me, para que se acenda contra eles a minha ira e eu os consuma; e farei de ti uma grande nação. Moisés, porém, disse-Lhe: (...) Abranda o furor de tua ira e renuncia ao castigo que pretendias impor ao teu povo (...). No dia seguinte Moisés disse ao povo que iria novamente a Deus, para tratar de expiar o vosso pecado. E Deus, na seqüência, lhe disse: Farei ainda o que disseste porque encontraste graça aos meus olhos e conheço-te pelo nome 19. Se a contrapartida pontual para o pecado referido seria o término, ali mesmo, do projeto de levá-los à nova terra – já que morrendo todos não haveria descendentes, a expiação de Moisés garantiu que a empreitada continuasse, ainda que o pecado deles não tenha sido desconsiderado: a geração participante daquele pecado morreu - sem conhecer a nova terra, mas a redenção conseguida por Moisés garantiu a posse dela para a geração seguinte.
Deus parece adotar um princípio federativo, falando com representantes, como se pode ver por esta ilustração de Moisés (e, em se tratando do livro de Dawkins, é preciso ressalvar que me refiro apenas ao período coberto pela Bíblia, não tendo em mente, portanto, qualquer representante dos Estados Unidos 20). O mérito que teve Moisés, em conseguir manter o propósito inicial de assegurar uma nova terra, faltou a Adão, que não conseguiu garantir-nos a posse do paraíso, ainda que, como veremos mais adiante, pôde entender que alguma redenção estaria sendo providenciada a partir de Eva. Conforme diz o Novo Testamento, Jesus, como Moisés, reuniu mérito suficiente para garantir a redenção de muitos, e da própria criação que, mesmo depois do pecado e apesar da morte, puderam conhecer a existência. E esta garantia parece estar assegurada, segundo a Escritura, antes mesmo do início da criação. Isto, porém, não tem sido sem custo, como já vimos, tal qual a redenção provida por Moisés, que também custou - no perdão, o derramamento de sangue daqueles que não tomaram posse da terra – o salário do pecado é a morte.
Em nosso caso, qual tem sido o derramamento de sangue – já que continuamente pecamos e, ainda assim, permanecemos vivos. Em primeiro lugar, o sangue do próprio redentor, e, em segundo lugar, o sangue de todos nós 21, que vivemos a morte, nesta existência, que só tem início, também, mediante o derramamento de sangue da maternidade.
A redenção se inicia em Eva
Misturamos tudo quando dizemos que Deus criou Adão e Eva. Ora, Deus não criou Eva; Deus criou a mulher. O nome Eva só aparece na Escritura depois que ocorreram fatos bem importantes, como o pecado e a infiltração da morte. Portanto, se Deus terminou a criação antes do pecado, isso quer dizer que Eva não pertence mais à história da criação, e deve ser entendida,necessariamente, como personagem de outra história, que irá ocupar toda a Escritura: a que trata da Salvação. A maternidade instituída em Eva, assim, parece inaugurar e dar seqüência à redenção. Como se verá mais adiante, as transformações operadas no corpo da mulher, e iniciadas logo depois do pecado para esse fim, reúne elementos típicos da história da salvação. Não teria condições, é claro, de avaliar todas as dimensões desta redenção que, descrita na Escritura, e iniciando-se em Eva, transcende a História e até mesmo a Escritura. Nosso interesse, aqui, é identificar os atos que, pertencendo à redenção - porque ocorrem depois do pecado - devem ser isolados e separados da obra anterior, da criação dos seis dias.
Logo depois de pecar, e ouvir de Deus a respeito das coisas que viriam na morte, Adão dá a sua mulher o nome de Eva –porque ela seria a mãe de todos os viventes. Levando a sério o contexto de morte provocado pelo pecado, e negando ao episódio um toque inesperado de sadomasoquismo, como diria Dawkins, (já que seria mais adequado dizer que Eva seria a mãe de todos os morrentes), essa mudança de nome, de mulher para Eva, soa como reconhecimento e profecia – por parte de Adão, da obra de Redenção: mesmo depois do pecado, no pecado e na morte 22, haveria viventes ou, melhor seria dizer, sobreviventes.

Notas:
1 O que encontramos no Salmo 51, 4.5 e 7, não me parece herança de culpa, mas o reconhecimento cabal da nossa constituição biológica, sob a morte: desde o ventre materno até à vida adulta, nossa conformação orgânica repercute o pecado: Lava-me inteiro de minha iniqüidade e purifica-me do meu pecado!   Pois conheço as minhas transgressões e diante de mim está sempre meu pecado; (...) Eis que eu nasci na iniqüidade, minha mãe concebeu-me no pecado.   Paulo dirá mais adiante (Romanos 7, 22. 23): Eu me comprazo na lei de Deus (...); mas percebo outra lei em meus membros, que peleja contra a lei da minha razão e que me acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros.   
2 Romanos 5, 12.
3 Romanos 4, 3. 6.
4 Romanos 5, 13.
5 Romanos 4, 7. 8.
6 Romanos 5, 14.
7 Romanos 5, 12 - 14.
8 Aurélio, Novo dicionário da língua portuguesa, pp. 599, 1201, 1213, 1264 e 1265.
9 Gálatas 3, 22.
10 Romanos 8, 20.
11 João 19, 28. 30.
12 Cometemos continuamente este erro, quando não atentamos para a “queda”, ou a decomposição que sobreveio ao mundo - com a chegada da morte, e seguiu, depois dela, “prosperando”, até os dias de Noé – quando foi “travada” no final do dilúvio.  Darwin, p.ex. (Origem das espécies, p. 167), assim se manifestou em relação a este equívoco: “As pessoas que acreditam na idéia de que todo o ser vivo foi criado com a conformação que atualmente ostenta devem ocasionalmente ficar surpresas, especialmente quando se deparam com animais cujos hábitos não combinam inteiramente com suas conformações estruturais”.   Ou seja, Darwin pressupõe, nesse raciocínio, que as espécies já foram criadas morrendo. 
13 Romanos 5, 12.
14 Romanos 5, 14.
15 Windows XP, © 1985 – 2001, Microsoft Corporation.
16 Bíblia de Jerusalém, nota “s”, p. 2127.
17 Romanos 6, 23.
18 Lucas 23, 34.
19 Êxodo 32,10. 12. 30; 33. 17.
20 Deus, um delírio: p. 125.
21 Paulo diz, em Colossenses 1,24: eu me regozijo nos meus sofrimentos por vós, e completo, na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja. 
22 Romanos 7,24: (...) Quem me libertará deste corpo de morte?
Carta a Richard Dawkins (3)

por Jorge Luiz Sperandio

O “guindaste” Dawkins 
Seu questionamento, Sr. Dawkins, nos leva, com a força de um guindaste, a outras perguntas. Por que o texto bíblico da criação deve ficar apartado do estudo das ciências, como sugere a explicação acima? Por que é que não devemos estabelecer concordâncias entre o plano da criação e a nossa ciência moderna? Uma e outra não se interessam em dar a conhecer o mesmo mundo? Aprendemos que é pela fé que se conhece o único e verdadeiro Deus, revelado pela Escritura. Mas, como é possível atribuir fé a uma revelação que não soa verdadeira? Uma ciência que, antes de ser revelada, criou o céu e a terra, em nenhuma hipótese poderia ser incipiente. Assim, é difícil aceitar um ensinamento que se pretende permanente, se ele não se deixa investigar com o mesmo rigor destemido que é utilizado, por exemplo, na astronomia ou biologia. Se a Escritura é, de fato, obra do mesmo Deus que fez o céu e a terra, não faz sentido tratá-la de forma marginal em relação a outras ciências –que não querem outra coisa senão entender o céu e a terra.
Criação (a)
Acreditar num Deus criador, anterior e superior ao mundo, não é tão difícil - como reconhece o Sr. Dawkins 1, talvez pela mesma razão que nos faz entender que a existência de uma casa requer a existência de alguém que a construiu. O problema é que a história bíblica da criação, conforme temos interpretado, de fato, é uma história que não tem muito sentido 2. Inicialmente, no capítulo um, se diz que a obra da criação se desenvolve dos animais aos seres humanos - homens e mulheres; no capítulo dois, o desenvolvimento é outro: primeiro se cria o homem, depois os animais e por último a mulher. Nos primeiros três dias existem tardes e manhãs, mas ainda não existem astros no firmamento que possam ser relacionados a elas, o que ocorrerá somente no quarto dia. Ou, então, pretendendo descrever a criação do mundo, fala de coisas que não existem - ou que nos são estranhas, como por exemplo, um vapor que sobe da terra, e, por outro lado, deixa de citar coisas que de fato existem, e nos são bem conhecidas, como a chuva que, pelo contrário, cai na terra, ou a luta dos seres vivos pela sobrevivência, alterações do meio ambiente, doenças, etc.
Pecado (b)
E sobre o pecado? O que dizer do pecado que, parecendo não ter mais qualquer significado, se tornou, no dizer do Sr. Dawkins, uma preocupação pouco saudável, uma preocupaçãozinha chatapara nossas vidas. Como explicar essa insignificância prática tão grande para o pecado, diante da importância teórica, tão elevada, que a Escritura atribui a ele?
Como aprendemos, o pecado significou a queda do homem e isto tem sido uma herança quedeforma de alguma maneira todos os descendentes do primeiro casal, homens e mulheres. Sem considerar a pouco provável transmissão ao longo da linhagem masculina, fica a pergunta: se nascemos imperfeitos, pela herança de um pecado, de que tipo seria esse defeito -orgânico ou moral? Se for orgânico, devemos encontrá-lo em que parte do corpo? E, sendo assim, como poderia ser tratado ou corrigido? Ou então, se for moral ou ético, como poderia ser transmitido, infalivelmente, por tantas gerações, em todos os tempos e lugares?
Pode ser que haja pecado, é claro, quando uma pessoa adultera ou quando, num homicídio, tira-se a vida de outra pessoa; ou, até, quem sabe, quando hostilizamos o mundo em que vivemos - poluindo o meio ambiente, o que, de fato, pode trazer doenças e morte. Mas, antes disso, será que o próprio mundo não nos tem sido hostil? Quando chegamos ao mundo já encontramos à nossa espera a dor, a doença, a velhice e a morte. Será que seria correto afirmar que o homem arruinou o mundo feito, no início, muito bom 3 pelo criador? Teria o homem a capacidade de inventar a doença e a morte? A morte, aliás, aparece como necessidade própria da existência, imprescindível à vida, pois, como alimento o homem mata animais; como alimento, animais matam animais e, também, como alimento, vírus e bactérias matam homens e animais. E se o ecossistema que hoje conhecemos bem melhor, graças à lente das ciências naturais, precisa ser alimentado, ou mantido, pela morte, porque ela não figura dentre os feitos criativos de Deus na primeira semana?
Salvação (c)
Tem mais. Com o pecado herda-se também a culpa e a condenação diante de Deus. Por exemplo: na lei de Moisés proíbe-se que um homem mate outro homem e, entre outras coisas, proíbe-se também a infidelidade sexual que, aliás, o Sr. Dawkins, compreensivelmente, considera difícil de se cumprir 4. Pois bem, num homicídio realmente faz sentido culpar aquele que matou, pelo pecado de tirar a vida daquele que morreu -e por isso merece condenação. O Novo Testamento, porém, ensina que um rápido olhar para uma mulher desejando-a 5, ou, mesmo, um simples xingamento imaginado contra um semelhante 6 são, ambos, tão igualmente pecado diante de Deus, quanto o homicídio que, efetivamente, tirou a vida de outra pessoa. Se no homicídio, de fato, cabe considerar culpa e condenação, como atribuir culpa, equivalente ao homicídio, a alguém que, num momento de ira, absolutamente normal e esperado para qualquer ser humano, mentalizou um xingamento inofensivo contra alguém? Pior: se o desejo sexual for obra de um criador, a fim de cumprir o mandamento de crescer e multiplicar-se 7, como atribuir culpa e condenação pelo desejo sexual que surge no olhar? Se não se pode ter culpa por um ato que nos é normal, e sem que haja qualquer dano real, porque ser culpado e condenado por isso?
E o que dizer da atribuição de culpa e condenação a um homem pelo pecado cometido por outro? Seria correto, ou divinamente justo, por exemplo, condenar o Sr. Dawkins pelo ato ancestral de Darwin? Por que deveria o Sr. Dawkins pagar pela culpa de Darwin em desobedecer à teologia do século dezenove, quando optou pelo fruto original do naturalismo? Provavelmente, por isso, o Sr. Dawkins não deve ser culpado ou condenado. Espera-se de um julgamento justo, que cada um seja o responsável, culpado ou não -condenado ou não, pelos atos que cometeu, de acordo com o seu respectivo universo de opções.
Portanto, se a herança do pecado, da culpa ou condenação, não deve ser estendida a todos os homens; e se não há, também, como atribuir culpa ou condenação, por atos normais, que não causam qualquer dano ao próximo, qual a finalidade da salvação? Será que o que nos resta é desistir, então, de tudo e seguir o ateísmo racionalista, pregado tão insistentemente pelo Sr. Dawkins? Penso que não; acredito que talvez não haja, ainda, motivo para desesperos.
De Darwin à loucura
Pelo contrário. Se a teologia perdeu, no século dezenove, quando Darwin trocou-a pelo naturalismo, ganha agora, no século vinte e um, com a chegada do Sr. Dawkins ao areópago teológico: seu enorme saber o levou à loucura 8. Ao chamar a atenção para a importância da incompatibilidade, insuportável, entre o simbolismo de Adão, de um lado, e a veracidade do Novo Testamento, de outro, o Sr. Dawkins presta-nos, na realidade, um imenso auxílio. Selecionando e comentando os principais temas do cristianismo – criação, pecado e salvação - ele não apenas identifica nossos equívocos de interpretação, mas, vai além: mostra, com precisão assustadora, como eles têm sido perniciosos na leitura e interpretação de toda a Bíblia.
Antes de chegar à loucura, o Sr. Dawkins conta que costumava ouvir uma vozinha 9, que vinha do seu íntimo, dizendo-lhe que, diante de coisas incompreensíveis, é preciso admitir a ignorância e até mesmo exultar na ignorância, já que ela é um desafio para conquistas futuras; ou, então, que deve haver uma explicação totalmente cabível. Mas sou ingênuo demais, ou pouco observador e pouco criativo demais para pensar nela 10. Se com relação à doutrina do cristianismo a vozinhanada falou para ele -até agora, em seu livro ela tem “gritado” para nós.
Fato, interpretação e ciência
Seja lá como for, o Sr. Dawkins tem feito a parte dele naquilo que ele se propôs a fazer; temos nós também que fazer a nossa, naquilo que se espera de nós. Aliás, acredito que possa chamá-lo simplesmente de Dawkins; não faz sentido chamá-lo de Sr. sem empregar o mesmo tratamento para Paulo, Agostinho e Freud, por exemplo.
Partindo, assim, de nossa ignorância e ingenuidade, talvez possamos dissecar na argumentação de Dawkins, três componentes distintos para cada um dos temas selecionados: o primeiro refere-se ao fato em questão, que é o objeto da descrição bíblica (o evento da criação -com o paraíso e Adão-, o pecado e a salvação); o segundo refere-se aos textos que tratam do fato questionado (as narrativas bíblicas, desde a criação, no Gênesis, até a salvação no Novo Testamento); e o terceiro, a ciência que podemos ter, do respectivo fato, a partir da interpretação escolhida (ou, a maneira como imaginamos, ou entendemos, o evento da criação, a existência do pecado e o papel da salvação). Portanto, se adotamos a interpretação simbólica, a ciência do fato será uma; se adotamos a interpretação literal, a ciência do fato será outra. É como se cada tema representasse um conjunto diferente de fato a ser fotografado e a imagem obtida na fotografia.
A conclusão a que Dawkins chega (a ciência que tem do fato) é que Adão não existiu (ou o texto não reporta à verdadeira existência de Adão), porque adota a interpretação simbólica 11. Entretanto, provavelmente, uma coisa não tem nada a ver com a outra. O que Dawkins faz é negar a existência do fato porque a máquina fotográfica que utiliza não consegue registrar adequadamente a fotografia do fato. Isto é significativo porque mostra a importância da interpretação do texto na busca pela ciência do fato bíblico. Não se poderá voltar no tempo, por exemplo, e presenciar a veracidade dos eventos, nos diálogos entre Deus e Adão ou, muito menos, inventar uma imagem qualquer para o fato -como se inventam imagens de fadas - esperando que ela seja aceita, ou empurrada obrigatoriamente, ainda que não carregue dentro de si o convencimento próprio da verdade.
Dawkins, ao escolher a interpretação simbólica chegou à loucura de pedra porque a ciência que conseguiu ter dos fatos, realmente, não faz o menor sentido. E esse parece ser, naquilo que nos interessa, a utilidade do livro: reconhecer e divulgar, como fez muito bem, que a interpretação simbólica do texto é incompatível com o entendimento adequado dos fatos bíblicos. Isto significa dizer, então, que só restaria a Dawkins, e a nós também, a leitura fundamentalista, ou literal, do texto? Talvez nem tanto, mas é preciso dizer que, assim, chegamos a outro problema, mais antigo: foi justamente por causa da incapacidade da interpretação literal, em responder adequadamente às dúvidas de um questionamento mais criterioso, que a interpretação simbólica surgiu e se firmou. Contudo, é confortante imaginar que, também aqui, possa haver, mais coisas entre o céu e a terra, do que sonha nossa vã filosofia, conforme a lembrança de Hamlet, pelo biólogo J.B.S.Haldane, quando fala da estranheza relacionada ao entendimento do universo 12.
Algumas regras
Se, entretanto, pretendemos buscar uma ciência bíblica mais satisfatória, é necessário verificar, inicialmente, com quais certezas iremos trabalhar. Seja na (re) leitura do texto, na valorização dos achados ou para qualquer sugestão de interpretação, será preciso que ela seja aprovada, não apenas pelo confronto com a Escritura e com o mundo que conhecemos mas, acima de tudo, pelo crivo do entendimento.
Não devemos aceitar algo como verdadeiro, apenas porque sempre fora aceito como verdadeiro13 (... se tem sido assim, é porque tem de ser assim...). Se Deus nos deu a capacidade de compreensão, devemos utilizá-la, para entender aquilo que nos é dado a entender; assim, se os textos existem para que sejam entendidos é preciso procurar entendê-los.
Não devemos nos restringir apenas aos textos específicos de cada tema, mas é preciso buscar na Bíblia inteira elementos que possam auxiliar na compreensão dos eventos em questão (o Antigo Testamento deve ser utilizado para se entender a salvação do Novo Testamento e, vice-versa; o Novo Testamento deve ser utilizado para se entender a criação e o pecado descritos no Velho Testamento).
Se a Bíblia diz ser a Palavra de Deus e se Deus diz ser a verdade, então o que está escrito deve ser verdadeiro; se, ao contrário, o texto não parecer verdadeiro é porque, neste caso, não se tem conseguido entendê-lo adequadamente e, sendo assim, é preciso insistir na sua compreensão, ao invés de descartá-lo como falso.
Da loucura à pedra
Se Deus criou o mundo e criou também a Bíblia, então ela deve permitir ser investigada como tem sido investigado o mundo hoje, pelos métodos de entendimento que estão ao nosso alcance na interpretação:
a) é preciso que haja consistência nas afirmações: se uma coisa é, então de fato ela é; ou seja, se alguém diz que carrega uma pedra não devo imaginar que carrega uma planta;
b) coerência na exposição: se uma coisa é, deverá continuar sendo o que é, e não outra coisa – uma pedra será sempre uma pedra e,
c) conseqüência na sucessão dos eventos: se deixar de ser o que é, então terá de ser outra coisa: uma pedra moída não será mais pedra, e sim areia.

Notas:
1 Deus, um delírio; p. 239: “Bloom também sugere que temos uma predisposição inata para ser criacionistas. A seleção natural ‘não faz sentido intuitivamente’”.
2 Freud (Esboço de Psicanálise, parte I - cap. V, A Interpretação de Sonho como Ilustração), se refere aos sonhos de uma tal maneira que lembra, em muito, a impressão que temos depois de uma leitura superficial do texto da criação, em Gênesis 1 - uma sensação que destoa, francamente, da nossa percepção da realidade: “Os sonhos, como todos sabem, podem ser confusos, ininteligíveis, ou positivamente absurdos (;) o que dizem pode contradizer tudo o que sabemos da realidade, e comportamo-nos neles como pessoas insanas, visto que, enquanto estamos sonhando, atribuímos realidade objetiva ao conteúdo do sonho” (p.179).   E, em se tratando de entendê-los, no trabalho de interpretação, cita, duas páginas adiante, outra característica que lembra, também, as dificuldades relacionadas à interpretação da história de Gênesis 1: “Acima de tudo há uma tendência impressionante à condensação (...) em geral, o âmbito do sonho manifesto é extraordinariamente pequeno em comparação com a riqueza de material de que se originou”.   De fato, no início do Gênesis, a história da criação é contada em apenas um capítulo – ou menos de duas páginas; no final do Gênesis, a história de um único homem, José, mereceu mais de dez capítulos – ou bem mais que dez páginas. Ver, também, mais adiante, as notas 57 e 58.
3 Gênesis 1,31. As citações bíblicas são da Bíblia de Jerusalém
4 Deus, um delírio: p.314.
5 Mateus 5, 27 e 28.
6 Mateus 5, 21 e 22.
7 Gênesis 1, 28. 
8 Atos 17, 19; 26, 24.
9 Deus, um delírio: pp. 171 e 175.
10 Deus, um delírio: p.314.
11 Encontramos em H. Renkens (Creacion, Paraíso y Pecado Original, segun Genesis 1- 3; p. 11), uma constatação dramática do discurso de Dawkins: “El mundo del paraíso, tomado literalmente y considerado a la luz de la ciencia profana, presenta um problema insoluble, um falso problema. Pues no es um mundo que haya existido em la realidad: es um mundo imposible. (...) El Paraíso, pues, em la forma material em que lo describe la Bíblia, no há sido nunca uma realidad”.
12 Deus, um delírio: p. 461.
13 Quem dera conseguisse seguir fielmente o método sugerido por Descartes; de qualquer forma, não tê-lo como alvo, seria um pecado: “1) Não aceitar coisa alguma por verdadeira que não (se) conheça como evidentemente verdadeira; 2) Dividir as dificuldades em tantas partes quanto possível; 3) Conduzir por ordem seus pensamentos, indo por etapas, do simples para o composto; 4) Fazer enumerações tão complexas e revisões tão gerais que (se) tenha a certeza de nada omitir” (René Descartes, Discurso do método, p. 24).