MINISTÉRIOS DE JUVENTUDE: CONQUISTAS E PERCALÇOS DE UM MOVIMENTO
A história dos ministérios especiais voltados para a juventude é uma boa ilustração das grandes transformações experimentadas pelo protestantismo nos últimos 150 anos, em áreas como a espiritualidade, a teologia e o conceito de missão da igreja.
1. Associação Cristã de Moços
A primeira dessas organizações foi a Associação Cristã de Moços (Young Men’s Christian Association – YMCA), fundada em Londres em 1844 pelo comerciante congregacional George Williams (1821-1905) e vários colegas evangélicos. Os objetivos iniciais eram ministrar aos jovens operários urbanos e promover evangelismo, estudos bíblicos e oração. Rapidamente a ACM tornou-se um movimento internacional, tendo chegado aos Estados Unidos e ao Canadá em 1851. Pouco depois, em 1855, foi realizada em Paris a sua primeira conferência mundial, quando foi criada a Aliança Mundial de Associações Cristãs de Moços e aprovada uma importante declaração de princípios, a Base de Paris. Naquela ocasião já existiam quase 400 associações em sete países, com um total de mais de 30 mil membros.
Williams foi influenciado pela obra Lectures on revivals (Preleções sobre avivamentos, 1835), do americano Charles G. Finney, associando o evangelismo ao trabalho social. A ACM logo se tornou conhecida como a missão das igrejas evangelísticas junto aos jovens. Seu período de maior vitalidade foi de 1870 a 1920, graças a líderes hábeis como o próprio George Williams, Anthony Ashley Cooper (conde de Shaftesbury), o evangelista Dwight L. Moody e John R. Mott, que foi secretário geral de 1915 a 1928. A entidade desse período dava ênfase ao desenvolvimento religioso, educacional, social e físico, visando promover elevados padrões de caráter e de cidadania cristã.
A ACM veio para o Brasil através do presbiteriano norte-americano Myron August Clark (1866-1920), que chegou a São Paulo em 1891. As primeiras associações foram as do Rio de Janeiro (1893) e de São Paulo (1895). Alguns anos depois foi criada a aliança sul-americana, com sede no Uruguai. Nas primeiras décadas do século 20, a entidade sofreu um rápido processo de secularização. Escrevendo em 1931, o Rev. Erasmo Braga, que havia sido seu grande entusiasta, disse que a ACM e a ACF (Associação Cristã Feminina) já não deviam ser incluídas entre as forças evangélicas que atuavam no Brasil. O mesmo ocorreu no âmbito internacional. A Aliança Mundial, com sede em Genebra, envolveu-se com o movimento ecumênico e passou a concentrar-se em atividades como assistência a refugiados, direitos humanos e luta pela paz. Na esfera local, o objetivo passou a ser a ênfase numa perspectiva saudável da vida através do cultivo do corpo, da mente e do espírito.
2. O Esforço Cristão
Outra organização de grande impacto nos círculos protestantes, porém de duração mais efêmera, foi a Sociedade do Esforço Cristão (Christian Endeavor), fundada em 1881 pelo pastor congregacional americano Francis E. Clark. Em contraste com a ACM, o Esforço Cristão tinha como um de seus principais objetivos o maior envolvimento dos jovens na vida das igrejas, como ficou claro em seu lema: “Por Cristo e pela igreja”. Outras ênfases eram o evangelismo, o serviço cristão e a confraternização da juventude evangélicas através de numerosas convenções.
O movimento teve um crescimento inicial impressionante e milhares de sociedades foram criadas nas mais diferentes denominações pelo mundo afora. A primeira superintendente para o Brasil foi a missionária presbiteriana Clara E. Hough, que organizou o primeiro Esforço Cristão em Botucatu, em 1891. A segunda sociedade foi criada pela professora Elmira Kuhl em Curitiba. Em 1902 reuniu-se em São Paulo a primeira convenção nacional, sendo eleito presidente o pastor e educador Erasmo Braga. Com o passar dos anos, as diferentes denominações envolvidas optaram por criar as suas próprias sociedades para jovens e o Esforço Cristão entrou em declínio.
3. Organizações Estudantis
Bem mais complexa é a história de um terceiro tipo de movimentos de mocidade protestante, aqueles voltados para os estudantes universitários. Desde o século 17 houve, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, grupos informais de estudantes cristãos que se reuniam para cultivar a vida espiritual. Todavia, o movimento estudantil organizado teve início somente no final do século 19. Nos Estados Unidos, as primeiras Associações Cristãs de Moços em universidades surgiram em 1856, em Michigan e na Virgínia, e em poucos anos vários líderes capazes difundiram o movimento através do país. Luther Wishard, o primeiro secretário americano da ACM, desejou unir o trabalho em todas as universidades, visando a conversão dos estudantes e seu posterior envolvimento com o serviço cristão ativo, especialmente na área de missões mundiais.
Em 1886, no centro de conferências de Dwight Moody em Northfield, Massachusetts, surgiu um movimento que foi organizado formalmente dois anos mais tarde com o nome de Movimento de Estudantes Voluntários para Missões Estrangeiras (SVM), tendo John Mott como presidente e Robert Wilder como secretário itinerante. Inspirados pelo lema “A evangelização do mundo nesta geração”, em poucas décadas 175 mil estudantes assinaram o compromisso do movimento e 21 mil foram para o exterior. Finalmente, em 1895 foi organizada na Suécia a Federação Cristã Mundial de Estudantes (WSCF), reunindo seis movimentos nacionais, entre os quais o SVM americano e o SCM inglês (Movimento Cristão de Estudantes), sendo John Mott eleito o seu secretário geral.
No início do século 20, uma série de desdobramentos, especialmente no campo da teologia, causou o enfraquecimento e o declínio dos movimentos estudantis. O SVM chegou ao seu auge em 1920, mas vinte anos depois já havia se tornado praticamente inoperante, vindo a desaparecer por completo. A Federação Cristã Mundial de Estudantes foi uma das entidades formadoras do Conselho Mundial de Igrejas (1948). Na Inglaterra, o SCM também sentiu os ventos de mudança nas áreas teológica e missiológica. Quanto ao Brasil, o primeiro líder do movimento de juventude protestante foi Eduardo Pereira de Magalhães, um pastor da Igreja Presbiteriana Independente. Em 1925 foi organizada no Instituto Granbery, em Juiz de Fora, a União de Estudantes para o Trabalho de Cristo, que se transformou no ano seguinte na União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB). Esta se filiou em 1942 à Federação Mundial. Na mesma época foi criada a União Latino-Americana de Juventudes Evangélicas (ULAJE).
4. Iniciativas Evangélicas
À medida que o Movimento Cristão de Estudantes (SCM) adotava uma postura teológica liberal e ecumênica, começaram a surgir na Inglaterra pequenos grupos de estudantes evangélicos, o que finalmente resultou, em 1928, na criação da Fraternidade Inter-Universitária (Inter-Varsity Fellowship – IVF). Poucos anos depois, começaram a realizar-se conferências internacionais de estudantes evangélicos, a primeira delas na Noruega, em 1934. Finalmente, em 1946-47 foi criada a Fraternidade Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES), constituída de dez movimentos nacionais. Quarenta anos depois, havia entidades ligadas à IFES em 130 países, entre os quais o Brasil, com a sua Aliança Bíblica Universitária (ABU).
Ainda no ano de 1928 foi criada no Canadá a Fraternidade Cristã Inter-Universitária (Inter-Varsity Christian Fellowship – IVCF) e dez anos depois, nos Estados Unidos. Na década de 1940 surgiram grupos na maior parte dos campus, com o tríplice propósito de evangelismo, discipulado e missões. Em 1946 a IVCF realizou a sua primeira conferência de missões em Toronto. Em 1948, a conferência foi transferida para a Universidade de Illinois em Urbana, onde continua a ser realizada trienalmente, com a presença de até 17 mil estudantes. Outras organizações similares surgidas após a II Guerra Mundial foram a Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo, Navegadores, Mocidade para Cristo, Campus Life, Estudantes Internacionais, etc.
Avaliação
Os ministérios cristãos voltados para os jovens deixaram um legado controvertido. Eles proporcionaram visibilidade e treinamento para muitos líderes notáveis que prestaram grandes contribuições à igreja e à sociedade. Eles canalizaram o idealismo de milhares de jovens para causas nobres como missões e atuação social. Eles aproximaram pessoas de diferentes igrejas, culturas e nacionalidades, promovendo maior solidariedade cristã e humana. Infelizmente, alguns desses movimentos também acolheram tendências que se revelaram prejudiciais para os jovens e para a causa cristã no mundo. Uma dessas tendências foi o secularismo, uma visão da vida na qual os princípios e valores cristãos foram perdendo gradativamente a sua importância. Outro problema que afetou vários desses movimentos foi o fascínio com novas teologias que questionaram a autoridade das Escrituras e da sua mensagem, gerando ceticismo e abrindo as portas para o relativismo. Ainda outros caíram numa espiritualidade alienada das realidades humanas mais amplas, impondo limites à atuação cristã na sociedade. É desejável que os atuais ministérios direcionados à juventude possam unir os aspectos mais positivos desses exemplos históricos – compromisso com a fé cristã bíblica, vinculação com o corpo de Cristo e uma saudável associação entre proclamação redentiva e responsabilidade social.
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