Aviva, Senhor, a tua obra: os grandes despertamentos norte-americanos
O fenômeno do avivamento, ou seja, a revitalização e aprofundamento da experiência religiosa na vida de indivíduos e grupos, geralmente de modo intenso e dramático, é algo comum a todas as religiões. Não é diferente com a tradição judaico-cristã. O Antigo e o Novo Testamentos mencionam vários eventos dessa natureza (2 Rs 22.8—23.3; 2 Cr 7.1-3, 14; 32.26; 34.27; Esdras 9 e 10; Neemias 8 e 9; Lc 3.1-14; Atos 2; etc.) e isso tem se repetido inúmeras vezes na história do cristianismo. O protestantismo tem sido um campo fértil para tais ocorrências, inicialmente na Europa e depois nos Estados Unidos.
1. A contribuição dos calvinistas
A principal matriz do protestantismo norte-americano foi o puritanismo. Os puritanos, que estiveram entre os primeiros colonizadores dos futuros Estados Unidos, chegaram à Nova Inglaterra a partir de 1620, estabelecendo-se inicialmente em Massachusetts, e depois em Connecticut. Esses calvinistas vindos da Inglaterra, que eventualmente criaram a Igreja Congregacional, davam muita ênfase à experiência religiosa, especialmente à experiência de conversão. Somente tornavam-se membros plenos das igrejas aqueles que podiam dar um testemunho público e aceitável da sua conversão. Assim, em sua fase inicial o puritanismo foi marcado por uma grande intensidade religiosa, uma espécie de contínuo avivamento. Essa característica do puritanismo haveria de influenciar fortemente as diferentes manifestações do protestantismo norte-americano.
Com o passar dos anos, as novas gerações perderam a visão e o fervor religioso dos pioneiros. A crescente prosperidade econômica e o avanço intelectual resultaram em um progressivo entorpecimento da vida espiritual. Em meio a esse estado de coisas, muitas pessoas começaram a orar por uma revitalização das igrejas e dos seus membros. No final do século 17 e início do século 18, era comum os pregadores americanos lamentarem o declínio da espiritualidade e conclamarem os seus fiéis a orar pelo avivamento. Essas aspirações começaram a ser satisfeitas fora da Nova Inglaterra, nas colônias centrais.
Além dos puritanos, outros calvinistas emigraram para a América do Norte a partir do século 17. Os principais grupos foram os presbiterianos “escoceses-irlandeses” e reformados da Europa continental. Entre esses grupos, começou um notável avivamento nas primeiras décadas do século 18, especialmente na colônia de Nova Jersey. O primeiro nome associado a esse avivamento foi o de Theodore J. Frelinghuysen (1691-1747), um pastor reformado holandês influenciado pelo movimento pietista. Pouco depois, outro ministro começou a ver notáveis resultados em conseqüência de suas pregações, o presbiteriano Gilbert Tennent (1703-1764). Estava iniciado o que ficou conhecido como o Primeiro Grande Despertamento.
2. O Primeiro Despertamento
Apesar de ter iniciado em Nova Jersey, o auge do despertamento ocorreu na Nova Inglaterra, que há décadas vinha orando por essa visitação. Dois nomes ficaram permanentemente ligados ao evento. O primeiro foi o de Jonathan Edwards (1703-1758), jovem pastor da Igreja Congregacional de Northampton, em Massachusetts. Em 1734, enquanto pregava uma série de sermões sobre a justificação pela fé, surgiu em sua igreja e região um avivamento que nos anos seguintes alastrou-se por toda a Nova Inglaterra. Além da sua pregação, profundamente bíblica e comprometida com a soberania de Deus, Edwards deu outra importante contribuição à causa do avivamento. Em um conjunto de escritos brilhantes, ele descreveu detalhadamente os fenômenos religiosos do seu tempo e fez uma série de análises extremamente perspicazes dos mesmos, destacando seus aspectos positivos e negativos. Dentre essas obras, destacam-se Fiel Narrativa da Surpreendente Obra de Deus (1737), Marcas Distintivas de uma Obra do Espírito de Deus (1741) e o grande clássico Tratado Sobre as Afeições Religiosas (1746).
O outro importante personagem associado ao Primeiro Grande Despertamento foi o pregador inglês George Whitefield (1714-1770), que em 1740 fez uma memorável turnê evangelística através de várias colônias, encerrando-a na Nova Inglaterra. Durante meses, Whitefield, um calvinista convicto que inicialmente havia trabalhado com John Wesley, pregou quase todos os dias a auditórios que chegavam a oito mil pessoas. Essa campanha produziu um enorme impacto em todas as colônias, tornando-se o primeiro evento de amplitude “nacional” da história dos Estados Unidos.
Nem todos os líderes ficaram entusiasmados com o avivamento. Na própria Nova Inglaterra surgiu um forte reação da parte de alguns pastores congregacionais, liderados por Charles Chauncy, de Boston, que deploravam os excessos do movimento, especialmente o emocionalismo e as manifestações físicas, julgadas grosseiras e eivadas de fanatismo. Após o Grande Despertamento, ocorreu um dos períodos mais decisivos da história dos Estados Unidos, que culminou com a Revolução Americana e a Independência, em 1776. Esse período foi marcado por um acentuado declínio na atividade religiosa, uma vez que as pessoas estavam mais interessadas nas candentes questões políticas da época.
3. O Segundo Despertamento
Passado o período da emancipação política, irrompeu um novo avivamento, que veio a ser muito mais duradouro e influente que o anterior. O Segundo Grande Despertamento começou por volta de 1800, novamente entre os presbiterianos, na localidade de Cane Ridge, em Kentucky. Além de mais vasto e complexo, esse despertamento diferiu do primeiro em outros aspectos importantes. Se o avivamento anterior limitou-se essencialmente aos presbiterianos e congregacionais, este atingiu todas as denominações, especialmente os batistas e os metodistas, que tiveram um crescimento vertiginoso e tornaram-se os maiores grupos protestantes da América do Norte. Outra diferença foi geográfica e social: enquanto que o primeiro despertamento ocorreu em áreas urbanas próximas ao litoral, o segundo irrompeu na chamada “fronteira,” a região rural do meio-oeste com sua população móvel e sua instável organização social.
Uma terceira diferença entre os dois avivamentos diz respeito à sua teologia. Enquanto que o movimento do século 18 teve uma base solidamente calvinista, com sua ênfase na incapacidade humana e na iniciativa soberana de Deus, o Segundo Despertamento revelou uma orientação nitidamente arminiana, dando grande destaque ao potencial de escolha e decisão do ser humano. Essa característica, que combinava com os ideais de liberdade e iniciativa individual da jovem nação, encontrou sua expressão mais eloqüente no avivalista Charles G. Finney (1792-1875). Finney acreditava que o avivamento podia ser produzido através do uso de técnicas, denominadas “novas medidas”, que incluíam apelos insistentes e carregados de emoção, aconselhamento pessoal dos decididos e séries prolongadas de reuniões evangelísticas. Esses elementos até hoje estão presentes em uma parcela ponderável do evangelicalismo mundial.
4. Desdobramentos posteriores
A partir do Segundo Grande Despertamento, o avivalismo tornou-se um fenômeno bastante generalizado no protestantismo norte-americano, especialmente em sua ala evangélica. Esse interesse resultou em uma curiosa instituição, que perdurou até as primeiras décadas do século 20 – os “camp meetings” (acampamentos avivalísticos). Tratava-se de grandes ajuntamentos em zonas rurais, por vezes bastante confusos, em que centenas de pessoas, inclusive famílias inteiras, hospedavam-se em tendas e ouviam por vários dias uma série de pregadores avivalistas. Essas reuniões foram precursoras das grandes concentrações evangelísticas realizadas desde o final do século 19 até o presente, sob a liderança de homens como Dwight L. Moody, Billy Sunday e Billy Graham.
Além do notável crescimento das igrejas, um dos frutos mais valiosos e duradouros do Segundo Grande Despertamento foi o surgimento de um grande número de movimentos de natureza religiosa e social, as “sociedades voluntárias”. Essas organizações, muitas delas interdenominacionais, estavam voltadas para causas como educação religiosa, abolicionismo, temperança, distribuição das Escrituras e, acima de tudo, missões nacionais e estrangeiras. Alguns exemplos marcantes, por ordem cronológica de fundação, são os seguintes: Junta Americana de Missões Estrangeiras (1810), Sociedade Bíblica Americana (1816), União Americana de Escolas Dominicais (1824), Sociedade Americana de Tratados (1825), Sociedade Americana de Educação (1826), Sociedade Americana para a Promoção da Temperança (1826) e Sociedade Americana de Missões Nacionais (1826). O Segundo Grande Despertamento contribuiu decisivamente para o movimento missionário do século 19, que levou a mensagem evangélica e instituições evangélicas (igrejas, escolas, hospitais) a todas as regiões da terra, inclusive o Brasil.
Perguntas para reflexão:
1. Os avivamentos espirituais geralmente são mais motivados por fatores psicológicos e sociais ou por motivos genuinamente religiosos?
2. Quais as vantagens e desvantagens de uma preocupação com avivamentos?
3. Quais seriam as razões pelas quais muitos despertamentos tendem a ser passageiros?
4. Quais os melhores frutos que podem ser produzidos por um avivamento genuíno?
5. O avivamento é prioritariamente uma obra de Deus ou da iniciativa e esforço humano?
Sugestões bibliográficas:
BLAIR, William N.; HUNT, Bruce F. O pentecoste coreano. São Paulo: Cultura Cristã, 1998.
DIETER, M.E. Reavivamentismo. Em ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988-1990. Vol. III, p. 236-240.
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LLOYD-JONES, D. Martyn. A urgente necessidade de avivamento. São Paulo: PES.
NOLL, M.A. Grandes despertamentos, os. Em ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988-1990. Vol. II, p. 222-224.
SCHALKWIJK, Frans Leonard. Aprendendo da história dos avivamentos. Em Fides Reformata II/2 (Jul-Dez 1997): 61-68.
STEGEN, Erlo. Avivamento na África do Sul. São Paulo: Os Puritanos.
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