O Nevoeiro do Coração Partido
O nevoeiro do coração partido.
É um nevoeiro escuro que aprisiona furtivamente a alma e se
recusa a ir embora. É uma neblina silenciosa que esconde o sol e chama as
trevas. É uma nuvem pesada que não honra qualquer hora nem respeita quem quer
que seja. Depressão, desânimo, desapontamento, dúvida... todos são companheiros
desta presença temida.
O nevoeiro do coração partido desorienta a nossa vida. Ele
torna difícil ver o caminho. Abaixe as suas luzes. Limpe o pára-brisa. Ande
mais devagar. Faça o que quiser, nada ajuda. Quando este nevoeiro nos rodeia,
nossa visão fica bloqueada e o amanhã está para sempre distante. Quando esta
escuridão ondulada nos envolve, as palavras mais sinceras de ajuda e esperança
não passam de frases vazias.
Se você já foi traído por um amigo, sabe o que estou dizendo.
Se já foi abandonado por um cônjuge ou um pai, já viu esse nevoeiro. Se já
colocou uma pá de terra sobre o caixão de um ente querido ou ficou vigiando
junto ao leito de alguém que ama, você reconhece também esta nuvem.
Se já esteve neste nevoeiro, ou está nele agora, pode estar
certo de uma coisa — não se encontra sozinho. Até o mais esperto dos capitães
da marinha já perdeu o rumo ao aparecer essa nuvem indesejada. Como disse certo
comediante: "Se os corações partidos fossem anúncios, todos apareceríamos
na televisão."
Faça um retrospecto dos últimos dois ou três meses. Quantos
corações partidos encontrou? Quantos espíritos feridos teve ocasião de
observar? Quantas histórias de tragédias chegou a ler?
Minha própria reflexão é cautelosa:
- A mulher que perdeu o marido e o filho num terrível
acidente automobilístico.
- A atraente mãe de três crianças que foi abandonada pelo
cônjuge.
- O garoto atropelado e morto por um caminhão de lixo,
quando saía do ônibus da escola. A mãe, que o esperava, testemunhou a tragédia.
- Os pais que encontraram o filho adolescente morto na
floresta atrás de sua casa. Ele se enforcara com o próprio cinto numa árvore.
A lista continua indefinidamente. Tragédias nebulosas. Como
cegam nossa visão e destroem os nossos sonhos. Esqueça todas as grandes
esperanças de alcançar o mundo. Esqueça todos os planos de mudar a sociedade.
Esqueça todas as aspirações de mover montanhas. Esqueça tudo isso. S6 me ajude
a atravessar a noite.
O sofrimento do coração partido.
Venha comigo assistir aquela que foi talvez a noite mais
enevoada da história. A cena é muito simples, você vai reconhecê-la
rapidamente. Um bosque de oliveiras retorcidas. O chão coberto de pedras
grandes. Um muro baixo de pedras. Uma noite escura, muito escura.
Veja agora o quadro. Olhe atentamente através da folhagem
sombria. Vê aquela pessoa?
Vê aquela figura solitária? O que ele está fazendo? Deitado
no chão. O rosto manchado de terra e lágrimas. Os punhos batendo no solo. Os
olhos arregalados com o estupor do medo. O cabelo emaranhado por causa do suor
salgado. Será aquilo sangue em sua testa?
Esse é Jesus. Jesus no Jardim do Getsêmani.
Você talvez tenha visto o retrato clássico de Cristo no
jardim. Ajoelhado junto a uma grande rocha. Um alvo manto. Mãos pacificamente
unidas em oração. Um olhar sereno em seu rosto. Um halo sobre a sua cabeça. Um
raio de luz do céu, iluminando seu cabelo castanho dourado.
Eu não sou artista, mas posso dizer-lhe algo. O homem que
pintou esse quadro não usou o evangelho de Marcos como modelo. Veja o que
Marcos escreveu sobre aquela noite penosa:
"Então, foram a um lugar chamado Getsêmani; ali
chegados, disse Jesus a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou
orar. E, levando consigo a Pedro, Tiago e João, começou a sentir-se tomado de
pavor e de angústia. E lhes disse: A minha alma está profundamente triste até à
morte; ficai aqui e vigiai.
E, adiantando-se um pouco, prostrou-se em terra; e orava
para que, se possível, lhe fosse poupada aquela hora. E dizia: Aba, Pai, tudo
te é possível; passa de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, e
sim o que tu queres.
Voltando, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Simão, tu
dormes? Não pudeste vigiar nem uma hora? Vigiai e orai, para que não entreis em
tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.
Retirando-se de novo, orou repetindo as mesmas palavras.
Voltando, achou-os outra vez dormindo, porque os seus olhos estavam pesados; e
não sabiam o que lhe responder.
E veio pela terceira vez e disse-lhes: Ainda dormis e
repousais! Basta! Chegou a hora; o Filho do Homem está sendo entregue nas mãos
dos pecadores. Levantai-vos, vamos! Eis que o traidor se aproxima."[1]
Observe estas frases: “Começou a sentir-se tomado de pavor e
de angústia.” “Minha alma está profundamente triste.” “E, adiantando-se um
pouco, prostrou-se em terra.”
Este parece um quadro de um Jesus santo, repousando na palma
de Deus? De modo algum. Marcos usou tinta preta para descrever esta cena. Vemos
um Jesus agonizante, lutando e se esforçando. Vemos um "homem de
dores".[2] Vemos um homem enfrentando o medo, em luta com os compromissos
e ansiando por alívio.
Vemos Jesus no nevoeiro de um coração partido.
O escritor de Hebreus iria dizer mais tarde, "Ele,
Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas,
orações e súplicas a quem o podia livrar da morte".[3]
Que descrição! Jesus sofrendo. Jesus às portas do medo.
Jesus não está revestido de santidade, mas de humanidade.
Da próxima vez que o nevoeiro o envolver, você faria bem em
lembrar-se de Jesus no jardim. Da próxima vez em que pensar que ninguém
compreende, releia o capítulo 14 de Marcos. Da próxima vez que a autopiedade o
convencer de que ninguém se importa, vá visitar o Getsêmani. E da próxima vez
em que ficar imaginando se Deus realmente percebe a dor que prevalece neste
poeirento planeta, ouça-o suplicando entre as árvores retorcidas.
Este é o meu ponto. Ver Deus desse modo faz maravilhas em
relação ao nosso próprio sofrimento. Deus jamais foi tão humano quanto nessa
hora. Deus jamais esteve mais próximo de nós do que quando sofreu. A Encarnação
jamais foi tão cumprida quanto no jardim.
Como resultado, o tempo passado no nevoeiro da dor poderia
ser o maior dom de Deus. Poderia ser a hora em que finalmente vemos nosso
Criador. E verdade que no sofrimento Deus se assemelha mais ao homem; talvez em
nosso sofrimento possamos ver a Deus como nunca antes.
Da próxima vez em que você for chamado para sofrer, observe.
Talvez esse seja o ponto mais próximo em que vai estar de Deus. Preste muita
atenção. Pode muito bem ser que a mão que se estende para guiá-lo para fora do
nevoeiro esteja traspassada.
[1] Marcos 14:32-42
[2] Isaias 53:3
[3] Hebreus 5:7, o grifo é meu.
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