quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Lutero – A Fé que Opera pelo Amor

 Nº 1750[1]
Pregado na noite de domingo, 11 de novembro de 1883
Por Charles Haddon Spurgeon
No Exeter Hall, Londres
“Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor.” (Galátas 5.6)
Paulo faz uma varredura no ato de confiar no exterior da religião, que é a tentação comum de todos os tempos. A circuncisão foi algo grandioso para os judeus e, muitas vezes, eles confiavam nela. Mas Paulo declara que ela de nada aproveita. Poderia haver outras pessoas que estivessem contentes por não serem judeus, mas Paulo declara que sua incircuncisão não lhes aproveitaria mais do que o seu oposto! Determinadas questões relacionadas com a piedade são externas e, ainda assim, úteis, quando em seus devidos lugares, especialmente como no caso do Batismo e da Ceia do Senhor, como a reunião de nossa congregação, a leitura da Palavra de Deus, e oração e louvores públicos. Essas coisas são adequadas e proveitosas, mas nenhuma delas deve ser feita, em qualquer medida ou grau, como fundamento da nossa esperança de Salvação, pois este texto as descarta, e claramente descreve que elas de nada aproveitam, se são feitas de modo a serem os fundamentos de nossa fé.
Nos dias de Lutero, a confiança supersticiosa em observâncias externas havia suplantado a Fé no Evangelho. Cerimônias se multiplicaram excessivamente sob a autoridade do papa. Missas eram realizadas às almas no “purgatório”, e homens vendiam indulgências para o pecado em plena luz do dia! Quando Deus ergueu Martinho Lutero, que nasceu há quatro séculos, ele testemunhou enfaticamente contra a salvação por meios  externos e pelo poder do sacerdócio, afirmando que a Salvação se dá pela Fé, e esta sozinha, e que toda a Igreja de Deus é uma junção de sacerdotes, sendo cada crente um sacerdote diante de Deus.
Se Lutero assim não houvesse afirmado, tal doutrina teria sido tão verdadeira quanto, posto que a distinção entre clérigos e leigos não encontra qualquer amparo na Escritura, que chama aos santos de “kleros” de Deus – clérigos de Deus – ou herança de Deus. Novamente, lemos: “Vós sois sacerdócio real”. Cada um que crê no Senhor Jesus Cristo é ungido para exercer o sacerdócio cristão e, portanto, não precisa colocar sua confiança em outro sacerdote, sendo o suposto “padre” não mais que qualquer outro homem. Cada homem dará conta de si mesmo perante Deus. Cada um deve, individualmente, ler e pesquisar as Escrituras, e deve acreditar em proveito de si próprio – e, quando salvo, deve se oferecer como sacrifício vivo a Deus por Jesus Cristo, que é o único Sumo Sacerdote de nossa profissão.
Basta do aspecto negativo do texto, que é cheio de alertas para essa época ritualística. O principal testemunho de nosso grande reformador é de que a Justificação de um pecador, aos olhos de Deus, se dá pela Fé em Jesus Cristo, e nisso somente. Ele poderia perfeitamente ter feito disso o seu lema: “Em Jesus Cristo, nem a circuncisão se aproveita para nada, nem a incircuncisão, mas a fé que trabalha por amor.” Ele estava no mosteiro agostiniano de Wittenberg, sendo incomodado e perturbado pela sua consciência, e lá estava, em uma velha Bíblia latina, este texto: “O justo viverá pela fé.” Era uma idéia nova para ele, e por seus meios, a luz espiritual entrou em sua alma em certa medida. Mas foram tantos os preconceitos de sua educação, e tamanha escuridão que o cercava, que ele ainda esperava encontrar salvação por meios externos.
Assim, Lutero jejuou por muito tempo, até que foi encontrado desmaiado de fome. Ele era extremamente zeloso com a salvação pelas obras. Por fim, ele fez uma peregrinação a Roma, esperando encontrar, ali, tudo o que lhe fosse santo e útil. Ele ficou desapontado em sua busca, mas ainda assim, encontrou lá mais do que procurava. Na falsa Escadaria de Pilatos, enquanto a subia de joelhos, o texto de Wittenberg novamente soou em seus ouvidos como uma trovoada – “O justo viverá pela fé.” Então, ele começou a descer as escadas, para nunca mais rastejar sobre elas! As cadeias foram quebradas, sua alma fora liberta! Lutero havia encontrado a Luz de Deus e, a partir daquele dia, sua vida passou a ser direcionada a iluminar as nações, clamando sempre: “O justo viverá pela fé”.
A melhor homenagem que eu posso fazer para este homem é pregar a Doutrina que ele tanto estimava. E vocês, assim salvos, também podem me auxiliar, acreditando nesta doutrina, provando a verdade dela em suas próprias vidas. Que o Espírito Santo faça com que assim seja com centenas de pessoas!

I. Primeiro, vamos perguntar O QUE É ESTA FÉ? Nós sempre falamos dela, mas o que ela é? Sempre que eu tento explicá-la, eu tenho medo de confundir ainda mais, ao invés de explaná-la.
Há uma história contada a respeito de “O Peregrino”, de John Bunyan. O bom Thomas Scott, seu comentador, escreveu notas para este livro. Ele pensou que o “O Peregrino” era muito complicado, e ele o deixaria claro. Uma piedosa camponesa de sua paróquia possuía o livro, e ela o estava lendo quando seu ministro a chamou. Scott disse para ela: “oh, eu vejo que você está lendo ‘O Peregrino’, de Bunyan. Você consegue entendê-lo?” Ela respondeu, inocentemente: “Sim, senhor, eu entendo o Sr. Bunyan muito bem, mas espero que um dia seja capaz de entendersuas explicações”. Tenho com medo de que você talvez diga, quando eu terminar, “eu entendo o que é a Fé da forma em que eu a encontro na Bíblia, e talvez um dia eu seja capaz de entender a explicação do pastor sobre ela”. Assim advertido, vou me expressar do modo mais simples que conseguir!
E, primeiro, preciso lembrar-lhes que a Fé não é simplesmente um credo. É muito bom dizer: “creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do Céu e da Terra”, e assim por diante. Mas você pode repetir tudo isso e não ser um “crente”, no sentido escriturístico do termo. Apesar de verdadeira, tal crença pode não sê-la para você – teria o mesmo efeito em você se o oposto fosse verdadeiro, para que você a pusesse de lado, num armário, e não fizesse efeito algum sobre você. “Uma doutrina muito adequada”, você diz, “uma doutrina muito boa”, e assim você a põe de lado, guardada. Não tem qualquer influência sobre o seu coração, nem afeta a sua vida.
Não imagine que professar um credo ortodoxo é o mesmo que ter Fé em Cristo! Um credo verdadeiro é desejado por muitos motivos, mas se for algo morto, inoperante, esse credo não pode trazer salvação. Ter Fé é crer nas verdades de Deus, e ainda mais. Novamente, a Fé não é a mera crença de que existe um Deus, apesar de quedevemos ter essa crença, pois não podemos chegar a Deus, exceto “crendo que Ele existe, e que Ele é galardoador daqueles que O buscam.” Devemos acreditar em Deus – que Ele é bom, abençoador, verdadeiro, justo e, portanto, confiável e louvável. No que quer que Ele faça, ou que Ele diga, não se deve questioná-lO, mas n’Ele acreditar.
Você sabe o que é confiar num homem, não sabe? Acreditar num homem, seguí-lo, nele confiar e aceitar seu conselho? Do mesmo modo, a Fé acredita em Deus – não só que Ele existe, mas encontra descanso em Seus atributos, Seu Filho, Sua Promessa, Sua Aliança, Sua Palavra, e tudo mais sobre Ele. A Fé, de forma animada e amorosa, confia em seu Deus acima de tudo! Especialmente, devemos acreditar no que Deus nos revelou nas Escrituras – que é verdadeira e, de fato, um testemunho certo e infalível a ser recebido, sem qualquer questionamento. Nós aceitamos o testemunho do Pai a respeito de Jesus e o tratamos “como a uma luz que brilha em lugar escuro.” A Fé deve especialmente acreditar n’Aquele que é a soma e substância de toda a Revelação, Jesus Cristo, que se tornou Deus em carne humana, a fim de redimir nossa natureza decaída de todos os males do pecado, e elevá-la à felicidade eterna.
Nós cremos em Cristo, por Cristo, e sobre Cristo – aceitando-o por causa do registro que Deus nos deu acerca de seu Filho – de que Ele é a propiciação pelos nossos pecados. Aceitamos a indizível dádiva de Deus, e recebemos Jesus como nosso tudo. Se eu quisesse descrever a Fé salvadora em uma só palavra, eu diria que éconfiar. É crendo em Deus e, assim, acreditando em Cristo, que confiamos a nós mesmos, bem como nosso destino eterno, nas mãos de um Deus reconciliado. Como criaturas, erguemos nossas vistas ao grande Pai dos Espíritos. Como pecadores, confiamos, para o perdão de nossos pecados, à expiação de Jesus Cristo. Sendo fracos e frágeis, confiamos no poder do Espírito Santo para nos fazer santos e, assim, nos manter. Arriscamos nossos interesses eternos no barco da Graça, contentes em nadar ou afundar com ele. Nós confiamos em Deus por Cristo.
A palavra empregada para expor a Fé nas Escrituras, por vezes, significa inclinar-se. Nós nos inclinamos, com todo o nosso peso, em nosso Deus, por Jesus Cristo. Nós nos penduramos sobre Cristo tal qual um vaso suspenso por um prego. “Descanso” era um dos termos pelo qual os antigos puritanos descreviam a Fé – repousar, ou inclinar-se sobre algo que não nós mesmos. Culpado como sou, acredito na palavra de Deus, que diz que “o sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo pecado.” Saber que, pelo Sangue, eu sei que estou limpo de todo pecado. Deus estabelece Cristo para ser uma propiciação – nós cremos que Ele é a propiciação e o tomamos para ser nossa propiciação. Por esta apropriação, nossos pecados são cobertos e nós somos libertos! A Fé é o apego, a apropriação, o recebimento para si mesmo do Senhor Jesus Cristo.
Às vezes eu ilustro isto por meio dessa passagem de Paulo, onde ele diz: “A palavra está perto de ti, na tua boca.” Quando um alimento está em sua boca, se você tiver vontade de possuí-lo de modo a nunca mais perdê-lo, qual é a melhor coisa a fazer? Engoli-lo! Deixe-o entrar em seu interior. Ora, a palavra que pregamos está, segundo o Apóstolo, “na boca”; devemos, então, pela graça de Deus, experimentá-la, para que ela vá para nosso coração, e descubriremos a Verdade, “com o coração que se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.” Essa é a Fé que salva a alma.
II. Em segundo lugar, consideraremos POR QUE A FÉ FOI ESCOLHIDA COMO MEIO DE SALVAÇÃO. Gostaria de lembrar que, se não pudermos responder a essa pergunta, não há qualquer problema – desde que o Senhor escolheu o crer como meio de Graça, não cabe a nós contestarmos Sua escolha. Os mendigos não devem escolher! Confiemos, se assim ordena o Senhor. Mas de certo modo podemos responder a essa pergunta. Primeiro, é claro que nenhuma outra maneira é possível. Não nos é possível sermos salvos por nossos próprios méritos, já que violamos a Lei de Deus, e a obediência futura, sendo devida desde já, não pode compensar os defeitos do passado.
“Minhas lágrimas podem cair eternamente,
Meu zelo pode não conhecer descanso,
Tudo não poderia expiar o pecado
Você deve salvar, e você sozinho.”

O caminho das boas obras está bloqueado pelos nossos pecados passados, bem como a certeza de ser ainda mais obstruído pelos nossos futuros pecados – nós devemos, portanto, nos alegrar por Deus ter escolhido para nós a estrada aberta da Fé! Deus escolheu o caminho da Fé, que é a salvação pela Graça Divina. Se tivéssemos que fazer algo para salvar a nós mesmos, teríamos a certeza de imputar uma porção de virtudes para o nosso feito, ou ainda bons sentimentos, ou orações, ou atos de caridade e, assim, nós diminuiríamos a pura Graça de Deus. Mas a salvação vem de Deus como um puro ato de favor – uma imerecida generosidade e benevolência – e o Senhor, portanto, apenas a coloca na mão da Fé, porque esta nada arroga para si mesma. A Fé, na realidade, repudia toda a ideia de mérito, e o Senhor da Graça, portanto, opta por colocar o tesouro de Seu amor nas mãos da Fé.
Novamente, é pela Fé que não pode se jactânciar, porque se a nossa salvação está do nosso fazer ou em nosso sentir, temos a certeza da glória. Mas se é pela Fé, não podemos ter glória em nós mesmos. “Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? Das obras? Não; pelo contrário, pela lei da fé.” A Fé é humilde e atribui todo louvor a Deus. A Fé é verdadeira e confessa sua obrigação para com a Graça Soberana de Deus. Eu bendigo o Senhor por ter escolhido este caminho da Fé, por ser tão adequado para os pobres pecadores. Alguns entre nós, esta noite, nunca teriam sido salvos se a salvação só tivesse sido preparada para os que são bons e justos. Eu estou, diante do meu Deus, culpado e auto-condenado.
Nenhum jovem jamais teve um sentido de culpa mais aguçado do que eu tinha. Quando eu me reconheci culpado pelos meus pecados, eu vi os meus pensamentos e desejos do meu ego e do meu ser e querer ser vãos aos olhos de Deus – e eu também me tornei vil aos meus próprios olhos. Fui levado ao desespero, e eu sei que jamais poderia ter sido confortado por qualquer plano de salvação, exceto aquele da Fé. O Pacto de Obras, por causa da nossa fraqueza, não nos confere de forma alguma esperança, em qualquer momento, e em certas circunstâncias, vemos isso muito claramente. Suponha que você estivesse à beira da morte. Que boas obras você poderia fazer? Lá, morrendo, o ladrão descobriu aquilo de bom que, pela Fé, poderia confiar no Crucificado – e, antes do pôr do sol, poderia estar com Ele no Paraíso! A Fé é uma forma adequada para os pecadores, especialmente para os pecadores que estão prestes a morrer!
Em certo sentido, estamos todos nessa condição, e alguns de nós, talvez, estejam especialmente assim. Qual homem entre nós sabe se ele vai ver o amanhecer de amanhã? Louvo a Deus, mais uma vez, que o caminho da salvação seja pela Fé, porque é um caminho aberto até para o mais inculto. Nessa teologia que temos hoje – a de pensamentos profundos, eles a chamam, os homens descem tão profundamente em seus assuntos e, dessa forma, agitam a lama do fundo, de modo que nem você pode vê-los, nem eles podem ver a si mesmos! Eu receio que nem os professores dessa escola, eles próprios, sabem do que estão falando. Agora, se a salvação fosse apenas para ser aprendida pela leitura, através de páginas enormes, o que seria de multidões de pobres almas em Bow, Bethuel Green e Seven Dials[2]? Se o Evangelho consistisse em uma massa de aprendizagem, como poderia o inculto ser salvo? Mas, agora, podemos ir a cada um deles e dizer: “Jesus morreu” –
“Há vida em olhar ao Crucificado!
Há vida, neste momento, para você!”

Mesmo sendo pouco o seu conhecimento, você sabe que tem pecado. Saiba, então, que Jesus veio para aniquilar o pecado, e que quem nele crê é imediatamente perdoado e entra para a vida eterna. Este breve e bendito Evangelho é adequado para qualquer pessoa, de príncipes a camponeses, e não me admira que a Fé foi escolhida como o caminho da salvação.

III. Nesse momento, essa noite, em terceiro lugar, quero dizer algo bom sobre uma outra questão – COMO A FÉ OPERA? Pois, de acordo com o nosso texto, é: “A fé que opera pelo amor”. É uma Fé que vive, trabalha, ama, e que, sozinha, salva a alma. Eu não posso lhe dizer das duras coisas que tenho ouvido falar sobre essa doutrina da salvação pela Fé. Eles dizem que é imoral. Tenho ouvido homens imorais dizerem isso e, certamente, eles têm propriedade no assunto! Dizem que essa doutrina leva ao pecado, e aqueles que assim afirmam estariam, a meu ver, bastante satisfeitos com isso por este motivo mesmo, se eles acreditassem nessa sua própria declaração. Eu nunca ouvi um santo condenar sua Fé por levá-lo ao pecado. Eu sei que em nenhum homem que segue a Deus, e vive perto dEle, que está sob Seu temor, a Fé em Deus vai tentá-lo ao pecado!
Na realidade, a Fé não faz nada disso! A Fé age fazendo justamente o inverso. Como a esposa prudente, em Provérbios, a Fé vai edificar um bom homem, e não o prejudicar todos os dias da sua vida. Primeiro, ela toca as engrenagens de nossa natureza, criando o amor dentro da alma. O que seria necessário, agora, para as classes degradadas de Londres? Regulamentos sanitários? Pode ser, se eles não forem só como que letras mortas para quem precisa deles na sua execução. Casas novas? De todos os tipos, por todos os meios – quanto mais, melhor. Aluguéis mais baixos? Com certeza, pois ninguém tem o direito de cobrar altos preços por acomodações insalubres. Salários mais altos? Certamente, poderíamos nos virar muito melhor com um pouco mais.
Outras coisas mais são necessárias. Enquanto num dado local existem palácios nas esquinas, você não vai progredir muito exaltando as massas, e eu acredito que os bares continuarão cheios enquanto ainda houver gosto pela bebida. Suponha que essas lojas, com licença para vender bebidas, fossem fechadas – isso bastaria? Acho que não. Há homens e mulheres em Londres, milhares deles, que, se fossem colocados em casas mais limpas, a quilômetros de distância de um bar, ainda beberiam e ainda transformariam suas casas em pocilgas! O que é necessário? Oh,se você pudesse fazer deles cristãos! Suponha que eles pudessem nascer de novo. Suponha que eles passassem a amar as coisas que agora odeiam, e a odiar as coisas que agora amam. Novos corações e espíritos retos são a necessidade dos párias de Londres!
Como tais coisas podem ser produzidas? Pela mão de Deus, com o Espírito Santo – é exatamente assim que a Fé opera no coração! Imaginemos que aqui está um relógio. “Ele precisa ser limpo.” Sim, limpe-o. “Ele não funciona; precisa de um novo cristal.” Bem, coloque-no um novo cristal. “Ainda assim, não funciona. Ele precisa de novos ponteiros.” Ache um jeito de dar-lhe novos ponteiros! Ainda assim, não funciona. Qual é o problema dele então? O fabricante diz que ele precisa de um novo motor. Há uma fonte para o mal – nada pode estar certo até que ele seja consertado. Conserte tudo o mais, mas não esqueça de que o motor é a parte mais importante! A Fé fornece à alma uma poderosa fonte de ação. Ela diz ao homem: “Você está perdoado pelo sangue de Cristo, que morreu por você – como você se sente em relação a Ele?”
O homem replica: “Eu amo o Senhor por ter me redimido”. Jesus amado, o homem tem, agora, dentro de sua alma, a semente de todo o bem. Ele vai se tornar uma criatura mais santa e melhor, pois ele começou a amar, e o amor é a mãe de santidade. Há algum serviço no mundo que se compare ao serviço do amor? Você tem um funcionário em sua casa, servil e obediente, mas se você reduzisse seu salário, ele iria lhe mostrar a aspereza de sua língua e buscar outro emprego! Você não espera dele nada mais que isso, e se você espera, não vai conseguí-lo. Quão diferente era um antigo funcionário de quem ouvi, que quando seu patrão foi à ruína no mundo, ficou contente com metade do salário que recebia! E quando ele foi tristemente avisado de que deveria partir, por seu patrão não teria mais como lhe comprar roupas, ele fez com que suas velhas vestes durassem mais, pois ele não deixaria seu patrão em sua velhice. Ele preferiria ter ganho o pão para o seu velho patrão, a tê-lo deixado! Ele era um servo apegado, que valia seu peso em ouro! Há poucos empregados como esse hoje em dia, pois não são muitos patrões como tal. Este tipo de serviço não pode ser adquirido, mas seu preço está acima do de rubis.
Quando o Senhor nos leva a crer em Jesus, nos tornamos, a partir de então, Seus amados servos, e não O servimos buscando recompensas, mas sim servimos por gratidão! Não estão mais conosco tanto trabalho e tanto pagamento – não tememos a ameaça do inferno pela desobediência, nem olhamos para o céu como se o tivessemos conquistado por obras. Não, não, nossa salvação é um presente livre! Foi-nos fornecida através de infinito amor, de compaixão suprema e, portanto, retribuímos com o mais aquecido afeto de nossos coração. Nosso coração se prende a esse querido aspecto que nos foi aberto. Sentimos um terno amor àqueles amados pés perfurados. Nós poderíamos beijá-los todos os dias.
Aquelas abençoadas mãos do Crucificado! Se elas nos tocam, somos fortalecidos, honrados, consolados. Jesus é totalmente amável para conosco, nosso mui querido amigo e Senhor! A Fé, em vez de ser uma coisa pobre, miserável, como alguns imaginam, é a grandiosa causa do amor e, assim, de obediência e de santidade. Saiba, novamente, que a Fé nos coloca em uma nova relação. Estamos obrigados, pela natureza, a ser servos de Deus, mas a Fé sussurra em nosso ouvido: “Diga, ‘Pai Nosso’”, e quando o coração recebe o Espírito de adoção, o caráter de serviço é inteiramente modificado – o serviço de mercenário é transformado em obediência amorosa, e o nosso espírito é modificado! Se tornar herdeiro de Deus, co-herdeiro com Jesus, é transmutar o trabalho em prazer, serviço em comunhão com Deus! A Lei não é nenhum obstáculo aos filhos de Deus – antes, é seu prazer! A Fé remove do coração aquele egoísmo que, outrora, parecia ser necessário.
Então, você espera ser salvo pelo que você faz, não é? Posso perguntar-lhe, amigo, a quem você está servindo com isso? Vou lhe responder: você está servindo a você mesmo! Tudo o que você faz é para ganhar felicidade para si próprio. Como, então, você estaria servindo a Deus? Você está vivendo uma vida egoísta, apesar dela ser tingida nas cores da espiritualidade. O que é feito por você, em matéria de religião, não tem qualquer objetivo além de que você seja salvo e vá para o céu. Seu trabalho mais zeloso é para si próprio. Suponha que eu lhe diga: “eu
sei que estou salvo. Eu sei que Jesus levou embora meu pecado. Eu sei que Ele não me permite morrer”. Por isso, então, há espaço, em minha vida, para que eu sirva ao Senhor, por causa do que Ele fez por mim! Agora eu não tenho que me salvar – eu tenho que servir a Cristo!
A gratidão é a razão do Evangelho, e, unicamente sob Seu poder, a virtude altruísta é possível, não sobre o chão do serviço legal. Uma virtude pura, ao que me parece, é algo claramente impossível até que a Salvação de um homem ocorra, porque ele sempre deve ter tido, até aquele momento, uma visão torpe e degradante de buscar beneficiar-se por aquilo que faz. Uma vez que esta grande transição é feita, e você é salvo, então você é levantado a um nível mais nobre, e passa a dizer –

“Então por que, ó Bendito Jesus Cristo,
Eu não deveria amá-Lo assim?
Não pela esperança de ganhar o Céu,
Nem de escapar do inferno!
Não com a esperança de ganhar alguma coisa,
Não buscar uma recompensa,
Mas como também amaste a mim,
Ó Senhor amado,
Então, eu te amo, meu querido Senhor,
E em teu louvor vou cantar
Unicamente porque Tu és o meu Deus,
E meu Rei Eterno “

Portanto, a Fé nos inspira com uma motivação bem maior que aquela que a Lei pode indicar. A Fé logo cria amor no homem, pois se o Senhor Jesus salvou vocês, meus irmãos e irmãs, vocês vão rapidamente desejar que os outros também sejam salvos. Vocês experimentaram deste mel, e a doçura dele, em sua própria língua, os leva a convidar outras pessoas para o banquete. Aquele que foi trazido para a liberdade da Graça Livre, tornaria livre todo pecador cativo, caso pudesse.
Quando bem trabalhada, a Fé significa harmonia com Deus. Ela cria um acordo com a Vontade de Deus, de modo que o que quer que agrade a Deus, também nos agradará. Se o Senhor pusesse o crente num monte com Jó, ainda assim esse crente bendiria o Seu Nome. A Fé vai ao encontro do Preceito Divino que ela deseja obedecer; com a Doutrina divina, que a Fé deseja conhecer e tornar pública. Sim, em tudo que é de Deus, a Fé diz: “é o Senhor, deixe-O comandar, ensinar, ou fazer o que parecer bem a Ele.” Eu tenho lhes mostrado que a Fé não é o princípio que insignificantes depreciadores descrevem como: “Apenas acredito”. Oh, quem dera esses homens soubessem o que é apenas acreditar! É libertar a mente de grilhões. É o amanhecer do próprio Dia Celestial. É uma luta que perdura por toda a vida, esse “só acredito”. É “obra de Deus, em que você acredita nAquele que Ele enviou”.
Irmãos e Irmãs, eu acredito que uma Fé humilde e perseverante em Deus é uma das maiores formas de adoração que chega ao Trono de Deus. Apesar de querubins e serafins saudarem ao Senhor com seu “Santo, santo, santo”, a despeito da série de seres resplandecentes que cercam o Trono de Deus com aleluias perpétuas, não há reverência mais saudável dada a Deus que aquela de um pobre pecador, negro como a noite, que chora, crendo, “Lava-me, e ficarei mais alvo que a neve”. Acreditar no perdão do pecado é uma maravilhosa adoração da misericórdia e do poder de Deus! Acreditar numa perene Providência é uma doce maneira de adorar a Deus em Seu poder e bondade!
Quando um pobre trabalhador, em sua casa, precisando de pão para seus filhos, se ajoelha e chora: “Senhor, está escrito: ‘O teu pão te será dado, e tua água é certa!’, eu acredito na Sua Palavra e, portanto, eu olho para Ti em minha necessidade”. Ele presta uma homenagem à Verdade e Fidelidade de Deus de uma forma que o arcanjo Gabriel não poderia fazer, porque Gabriel nunca saberá o que é o aperto da fome. Acreditar que Deus vai nos manter até o fim, e levantar-nos à Sua Glória, é mais honroso a Deus do que todos os hinos da glória! De nós, filhos mortais da terra, quando confiamos em Sua promessa, sobe aos Céus um Incenso de cheiro doce e agradável a Deus, por meio Jesus Cristo.
Para a minha mente, também há isto acerca da Fé – que ela tem um poder maravilhoso sobre Deus. Você quer que eu me retrate dessa expressão? Pois eu a mantenho! Vou explicá-la. A Fé supera o Altíssimo sobre o Seu trono. A Fé de um indivíduo inferior supera a de um superior. Há alguns anos, eu estava andando no jardim, e certa noite e vi um cão de rua sobre quem eu tomei conhecimento que tinha o hábito de visitar o meu terreno, e que ele, por assim dizer, não fez por onde para ajudar o jardineiro, e logo se tornou um visitante indesejado. Enquanto eu caminhava, em uma noite de sábado, meditando sobre um sermão meu, vi este cão ocupado fazendo travessuras. Eu joguei minha bengala nele, lhe dizendo para ir para casa. Mas o que você acha que ele fez? Em vez de mostrar os dentes para mim, ou correr fora, gritando, ele olhou para mim, de maneira muito agradavel, pegou a minha bengala em sua boca e a trouxe para mim! E depois, abanando o rabo, ele a colocou sobre meus pés!
Lágrimas encheram meus olhos – o cachorro havia me esbofetado. Eu disse, “Bom cachorro! Bom cachorro, você pode vir aqui quando quiser, depois disso”. Por que o cão me conquistou? Porque ele confiava em mim, e não acreditava que eu poderia significar-lhe qualquer mal. Voltar-se para coisas grandiosas – o próprio Senhor não pode resistir à humilde confiança. Você não vê como um pecador traz, por assim dizer, a vara da Justiça para o Senhor, e clama: “Se você me matar, eu mereço; eu me submeto a você”. O grande Deus não pode desprezar um coração confiante. É impossível! Ele não seria Deus, se Ele lançasse fora a alma que implicitamente confia nele! Então, este é o poder da Fé, e eu não me admiro por o Senhor assim ter escolhido, pois acredito que é a coisa mais agradável a Deus!
Vocês todos devem confiar nEle! Deus levanta Sua espada contra você – corra para Seus braços! Ele te ameaça – prenda-se à Sua promessa! Ele te persegue – voe para Seu Filho amado! Deposite sua confiança ao pé da cruz em Sua Expiação, e você será salvo!
IV. Agora, termino este memorial a Lutero de uma maneira adequada. Você muito já ouviu falar sobre Lutero pregar a salvação pela Fé. Agora, VAMOS NOS VOLTAR PARA A VIDA DE LUTERO, e ver o que o próprio Lutero queria dizer com isso. Que tipo de Fé o próprio Lutero mostrava quando ele foi justificado? Primeiro, no caso de Lutero, a Fé o levou a fazer uma confissão aberta do que ele acreditava. Lutero não queria subir ao Céu pelas escadas dos fundos, como muitos jovens tinham a esperança de fazer. Desejar ser cristão às escondidas, de modo a escapar do escândalo da Cruz. Lutero não se recusou a confessar a Cristo, e tomar a sua própria cruz para segui-Lo. Ele sabia que, já que cria com seu coração, também deveria confessar com sua boca – e ele assim fez, nobremente.
Ele começou a ensinar e pregar a Verdade de Deus que havia iluminado a sua própria alma. Um de seus sermões desagradou o Duque Jorge da Saxônia, mas como uma senhora do alto escalão fora salva, Lutero não se preocupou. Ele não era homem de esconder a Verdade de Deus por ser perigoso admiti-la. Tetzel veio com suas preciosas indulgências, com seus livramentos para as almas no “purgatório”. Milhares de bons católicos ficaram indignados, mas ninguém abriu a boca sobre o assunto. Lutero chamou Tetzel de “servo do Papa e do diabo”, e declarou: “Como ele veio entre nós abusando da credulidade do povo, eu não poderia me abster de protestar contra ele, me opondo à sua carreira odiosa”. Sem maquiar suas palavras, nem tentando falar polidamente, Lutero foi contra ele, sem temer as consequências. Ele acreditava nas bênçãos da Graça, “sem dinheiro e sem preço”, e não escondeu suas certezas! Ele pregou suas teses na porta da Igreja do Castelo de Wittemberg, onde todos podiam lê-las.
Quando os astrônomos acham uma nova constelação no céu, fazem tanto alarde quanto martelos batendo pregos. Ó, vós que não professais a Fé, deixai a Fé sincera vos repreender! Seu valor destemido pela Verdade de Deus o levou a ser grandemente odiado em seus dias, com uma ferocidade que ainda permanece. Lutero ainda é o homem mais odiado em certos locais. Vejam vocês mesmos os vis folhetos que foram produzidos, durante a última quinzena, para a desgraça da imprensa que os contamina! Não posso dizer nem o pior, nem o melhor deles, além de que eles são dignos da causa em cujo interesse militam. Mencione o nome de Lutero, e os escravos de Roma rangem seus dentes! Este mal-estar intenso prova o poder de Lutero. Jovens, eu não sei qual pode ser a sua ambição, mas eu espero que vocês não desejem ser, neste mundo, como reles batatas, que nada acrescem ao sabor do mingau.
A minha ambição não é essa. Eu sei que se eu não tiver inimigos intensos, eu não poderei ter amantes intensos – e, pela Graça, eu estou preparado para ter a ambos. Quando um homem de coração reto vê o amor de um homem honesto pela Verdade de Deus, ele clama “ele é nosso irmão; que seja o nosso defensor!” Quando os de coração tolo reajem, bradando “acabem com ele!”, nós os agradecemos pela homenagem inconsciente que, dessa forma, prestam àquela honrada decisão. Nenhum filho de Deus deveria almejar a aprovação do mundo. Certamente, Lutero não o fez. Ele agradava a Deus, e isso lhe era suficiente. Sua Fé também era desta forma – e ela o levou a uma calorosa reverência àquilo que ele acreditava ser as Sagradas Escrituras. Lamento que ele nem sempre agiu sabiamente em seu julgamento do conteúdo da Bíblia, mas, para ele, a Escritura foi o último tribunal de apelação. Se alguma coisa tivesse convencido Lutero de que este livro estava errado, ele ficaria feliz em reconhecê-lo.
Mas isso não era seu plano – eles simplesmente diziam: “Ele é um herege. Condenem-no, ou o façam se retratar”. Nisso, ele nunca cedeu, nem por um instante! Infelizmente, atualmente, grande número de homens fazem de si mesmos seus próprios escritores inspirados. Disseram-me que todo homem que é advogado de si mesmo, tem um tolo por cliente, e eu estou inclinado a pensar que, quando um homem se estabelece como seu próprio salvador e sua própria revelação, a mesmíssima coisa acontece. Essa idéia vaidosa paira no ar neste presente tempo – cada homem deve imaginar ser sua própria bíblia. Mas não Lutero! Ele amava o Livro Sagrado! Ele lutou com sua ajuda. A Bíblia foi seu machado de batalha, sua arma de guerra. O que incendiou sua alma foi um texto da Escritura, e não as palavras da tradição que rejeitou. Ele não se submeteria a Melâncton, ou a Zuínglio, ou a Calvino, ou a quem quer que fosse – quer sendo sábio ou piedoso. Ele tomou a sua própria Fé na Escritura e, de acordo com a sua luz, ele seguiu a Palavra do Senhor. Que muitos sejam um Lutero, aqui!
A próxima coisa a se ressaltar foi a intensa atividade de Fé de Lutero. Ele não acreditava que Deus estivesse fazendo seu trabalho, para que pudesse permanecer ocioso. Nem mesmo por um momento! Certa vez, um discípulo disse a Maomé: “eu vou deixar meu camelo solto e confiar na Providência”. “Não”, respondeu Maomé, “confie na Providência, mas amarre o seu camelo com cuidado”. Isto se parece com o preceito puritano de Oliver Cromwell: “confie em Deus, mas mantenha sua pólvora seca”. Lutero acreditava, mais que a maioria dos homens, em manter sua pólvora seca. Como ele trabalhou! Seja por meio da pena, por palavras faladas, ou com sua mão! Ele foi enérgico, de modo quase inacreditável. Ele, sozinho, trabalhava como vários homens. Lutero fez obras que teriam sido tributadas à força de centenas de pessoas mais modestas. Ele trabalhou como se tudo dependesse da sua própria atividade e, em seguida, caiu de volta na santa confiança em Deus, como se ele nada tivesse feito! Este é o tipo de Fé que salva um homem, tanto nesta vida quanto na que está por vir.
Novamente, a Fé de Lutero abundava na oração. Ó, que súplicas eram! Aqueles que as ouviram nos relatam de suas lágrimas, de sua luta, e de seus santos argumentos. Ele entrava em seus aposentos, com o coração pesaroso, e permanecia lá por uma ou duas horas, e, depois, saía cantando: “venci, eu venci!” “Ah”, ele disse um dia, “eu tenho tanta coisa para fazer hoje que não posso passar por isso tudo sem uma oração de menos de três horas”. Pensei que ele iria dizer: “eu não posso me dar ao luxo de orar nem mesmo por um quarto de hora” – mas ele aumentou sua oração, na medida em que seu trabalho aumentava. Esta é a Fé que salva – a Fé que se apodera de Deus, e prevalece com Ele em súplica privada.
A Fé de Lutero foi o que o salvou inteiramente do medo do homem. O duque Jorge estava indo detê-lo. “É esse?”, indagou Lutero. “Se chovessem duques Jorge, eu iria”. Ele é exortado a não ir a Worms, pois lá estaria em perigo. Se houvessem tantos demônios em Worms quanto haviam telhas nos telhados, lá Lutero estaria! E, de fato, lá ele esteve, como todos sabem, trazendo homens para o Evangelho e para seu Deus. Ele não se indispôs com nenhum homem, mas manteve sua Fé em Deus, pura e sem mistura! Papas, imperadores, doutores, eleitores, eram todos como nada para Lutero quando eles se colocaram contra o Senhor. Que assim seja conosco, também! Sua Fé era tal que o fez arriscar tudo para a Verdade de Deus. Parecia não haver esperança de pudesse voltar vivo de Worms. Lutero estava certo de que seria queimado como João Huss – e a maravilha é que ele escapou. Sua ousadia o trouxe seguro do perigo! Ele expressou seu pesar de que a coroa dos mártires, provavelmente, não lhe seria entregue, mas tinha Fé de que estava preparado para morrer, pois Jesus estava com ele. Ele, que em tal caso salvou sua vida, deve perdê-la, mas aquele que perde sua vida pelo amor de Cristo, a encontrará na vida eterna! Esta foi a Fé que fez de Lutero um homem acima dos demais, e o salvou das afetações sacerdotais.
Não sei se você admira o que se pensa ser a religião superior. É uma coisa bela, mas inútil. Deve sempre ser mantida numa redoma de vidro – é feita para grupos de estudos e encontros religiosos, mas não para lojas ou fazendas. Mas a religião de Lutero estava com ele em casa – tanto na mesa, quanto no púlpito. Sua religião era parte integrante de sua vida comum, livre, aberta, corajosa e irrestrita. É fácil encontrar defeitos nele do seu ponto de vista, pois ele viveu em um destemor honesto. Minha admiração se intensifica quando penso como este homem pôde abrir seu coração! Não me admira que, mesmo os descrentes alemães o reverenciavam, pois ele é todo alemão, e todo homem! Quando ele falava, ele não tomava as palavras da sua própria boca para admirá-las, nem para perguntar a Melâncton o que fariam. Não: ele batia fortemente, e proferia uma dúzia de frases antes de pensar se elas eram polidas ou não!
Na verdade, Lutero é totalmente indiferente às críticas e falava o que pensava e sentia. Ele está à vontade, pois se sente em casa. Ele não está, em toda parte, na casa de seu Pai? Não tem ele a intenção pura e simples de falar a verdade de Deus, e de fazer o que é certo? Eu gosto de imaginar Lutero com sua esposa e seus filhos. Eu gosto de imaginá-lo com sua família próximo a uma árvore de Natal, compondo uma música, com o pequeno João Lutero em seu colo. Gosto de imaginá-lo cantando um pequeno hino com as crianças, falando ao seu filhinho dos cavalos no Céu, com freios de ouro e selas de prata. A Fé não retirou sua hombridade, mas a santificou para usos ainda mais nobres. Lutero não viveu nem andava como se fosse um reles clérigo, mas como um irmão de toda a humanidade!
Afinal, irmãos e irmãs, vocês devem saber que até mesmo o maior dos santos precisa comer pão e manteiga, como todas as outras pessoas. Eles fecham seus olhos ao dormir, e os abrem pela manhã, assim como nós! Isso é fato, embora alguns cavalheiros empolados queiram que disso duvidemos. Os santos sentem e pensam como os demais homens. Por que eles deveriam parecer como se assim não fossem? Não é uma boa coisa, comer e beber para a glória de Deus, mostrando às pessoas que as coisas comuns podem ser santificadas pela Palavra de Deus e pela oração? E se nós não usarmos aparatos para tal fim? O melhor aparato do mundo é a devoção completa à obra do Senhor! E se um homem vive corretamente, ele faz de toda roupa uma batina, de cada refeição um sacramento, e de cada casa, um templo! Todas as nossas horas são sagradas! Todos os nossos dias dias, santos! Cada respiração é como incenso, e cada pulsar, uma música para o Altíssimo!
Eles nos dizem que Lutero ignorou boas obras. É verdade que ele não permitiria que as boas obras fossem tidas como meio de salvação, mas daqueles que professavam sua Fé em Jesus ele exigia uma vida santa! Lutero abundava em oração e caridade. Que doador de esmolas foi Lutero! Temo que ele não tenha, em todo o tempo, resguardado, ainda que vagamente, os princípios da Charity Organization Society[3]. Mas ao passo que ele prossegue em seu caminho, se haviam mendigos, ele esvazia seus bolsos para eles. Duzentas moedas que ele acabara de ganhar, e, embora ele tivesse uma família com ele, ele chorava, “duzentas moedas! Deus está me dando toda a minha porção nesta vida”. “Aqui”, ele disse a um pobre irmão ministro, “tome a metade! E onde estão os pobres? Busquem-nos! Eu devo  me livrar disso”. Eu temo que a sua esposa Catarina foi forçada, por vezes, a acenar com a cabeça para ele, pois, na verdade, ele nem sempre foi o mais econômico marido que poderia ser. No quesito das esmolas, ele foi inigualável, e em todos os deveres da vida, ele subiu muito além do padrão de sua idade. Como todos os homem, ele tinha seus defeitos, mas como as cordas da harpa de seus inimigos, que não iam além da verdade, eu não preciso me delongar sobre suas falhas. Eu gostaria que os detratores de Lutero tivessem a metade de sua bondade. Toda a glória da sua grande carreira foi direcionada ao Senhor, apenas!
Por último, a Fé de Lutero foi uma tal que o ajudou em lutas que raramente são citadas. Suponho que nenhum homem teve, em sua alma, maior conflito que Lutero. Ele era um homem de altos e baixos. Às vezes, ele subia ao céu e cantava suas aleluias. E, então, descia, novamente, para o abismo, com seu miserere[4]. Temo que, a despeito do grande e vigoroso homem que ele era, Lutero tivesse um fígado ruim. Ele foi gravemente ferido no corpo de uma forma que eu não preciso mencionar. E ele foi às vezes deixado de lado por meses, sendo de tal forma atormentado e torturado que ele desejava morrer. Suas dores eram extremas, e nós queremos saber como ele os suportou tão bem. Mas sempre, entre os ataques da doença, Lutero seguia pregando a Palavra de Deus. Essas lutas desesperadas com o diabo o teriam esmagado, se não fosse a sua Fé. O diabo parece ter constantemente o atacado, e Lutero estava constantemente atacando o diabo.
Nesse duelo tremendo, ele se voltava ao Senhor e, confiando na Sua Onipotência, punha Satanás em derrota. Jovens, oro para que um Lutero surja de suas fileiras. Como os fiéis o receberiam de bom grado! Eu, que sou mais um seguidor de Calvino que de Lutero, e muito mais um seguidor de Jesus do que de qualquer um deles, ficaria encantado em ver outro Lutero sobre a Terra! Deus os abençoe, irmãos e irmãs, pelo amor de Cristo. Amém.

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